Um fundo negro com um contorno a branco de um animal, sem pêlo, olhos ou patas. Uma frase que acompanha a ilustração e anuncia o prenúncio de uma tragédia: «O meu gato desapareceu». Por muito que se queira proteger os mais pequenos do infortúnio, sonegando-lhes as coisas más da vida e servindo-lhe o mundo numa bandeja com as cores do arco-íris, chega uma altura em que se torna impossível fugir à ideia de morte. O adiamento, porém, faz-se até ao limite.
«O meu pai diz que ele anda nos telhados; a fazer amizade com outros gatos, a miar à lua e; a piscar o olho às estrelas; e que uma noite ele volta», conta-nos a pequena narradora do livro, repetindo constantemente: «o meu gato desapareceu». A mãe acha que o viu no quintal, a vizinha arrisca que partiu para uma grande aventura, o avô que ele adormeceu e que um dia vai acordar numa outra casa e, quanto à avó, diz que se calhar ganhou asas e foi para o céu.
«Os gatos têm sete vidas; e ele já viveu esta; que eu julguei que era a primeira; mas afinal devia ser a sétima; Ele não volta mais», conta-nos a criança em surdina, uma vez que não quer que os mais crescidos percebam que, a ideia de morte, já habita em si.
Escrito por Ana Saldanha, “Gato Procura-se” (Caminho, 2015) aborda a questão da morte junto dos mais novos, mostrando que estes estão prontos – ou terão de estar – para a maior, incontornável e mais definitiva das verdades que integram a vida.
As ilustrações de Yara Kono são já marca registada, entre os rostos e as formas geométricas, as cores e as texturas, a precisão do detalhe e a ocupação incisiva das páginas duplas, os números e a arquitectura que recordam o brilhante “A Ilha” – editado pela Planeta Tangerina com texto de João Gomes de Abreu.
Muito interessante é também a perspectiva da duplicidade da ilustração: os pensamentos da narradora chegam através de ilustrações a preto e branco, desenhos inacabados com ar infantil, enquanto os dos mais crescidos estão cheios de pequenos detalhes, aparecendo imersos em cor. Mas isto apenas até ao momento em que a própria consciência infantil, dando de caras com a morte, a aceita também – em segredo -, trazendo igualmente aos seus desenhos toda a cor do mundo, ainda que a tristeza, essa, vá permanecer para sempre. Um álbum tocante feito de um texto e ilustrações belíssimas.
Sem Comentários