O nome Nic Pizzolatto será certamente reconhecido, pelos aficionados de séries televisivas, como o criador e argumentista da aclamada série True Detective, da HBO, um policial intenso e introspectivo. O seu premiado romance de estreia, “Galveston” (Editorial Presença, 2015), publicado originalmente em 2010, partilha da intensidade da série, mas o que se destaca é a escrita elegante e minimalista e a história envolvente e melancólica que, mais do que prender, submerge o leitor. E é, de facto, um prazer mergulhar nas quentes e escuras águas deste excelente noir norte-americano.
Roy Cady é um criminoso empedernido que, no dia em que lhe é diagnosticada uma doença terminal, se vê na mira do patrão, que lhe arma uma cilada para o matar. Escapando quase miraculosamente à armadilha violenta, Roy faz-se à estrada com a outra sobrevivente do ataque, a jovem Rocky, rumo a Galveston, uma cidade costeira no Texas. Os elementos básicos do noir estão todos presentes – as situações limite, as personagens atormentadas, as armas, as sedutoras, o ventre rastejante e sujo do mundo do crime, o anti-herói relutante –, mas é com mestria que Nic Pizzolatto faz também deste romance uma obra filosófica e pertinente. Não contemos contudo com os devaneios filosóficos tão presentes nos diálogos de Rust Cohle em True Detective; aqui, a escrita é mais bruta e clara e as reflexões do protagonista são mais subentendidas do que explícitas, não se perdendo contudo nada. Muito pelo contrário: a subtileza filosófica de “Galveston” é um elemento enriquecedor, não só da escrita como da narrativa em si.
Como é comum neste género literário, há um pesado e constante sentimento de perdição, aquela certeza inabalável de que “isto só pode acabar mal”. Trata-se de um mundo brutal e implacável, não apenas para os criminosos como Roy mas, também, para os meninos perdidos de uma sociedade e de um universo indiferentes como Rocky. Porém, Pizzolatto não cria uma narrativa inteiramente niilista e desesperada, até porque a história de Roy é tanto de perdição como de redenção e, a sua humanidade, está sempre presente, simultaneamente dolorosa e empática. Trata-se de um thriller negro, sem dúvida, mas igualmente de uma história profundamente humana, característica reforçada pelo relato na primeira pessoa de Roy. A escrita de Pizzolatto consegue a proeza de ser, em simultâneo, fluida, poética e dura, conferindo a este noir uma qualidade literária a todos os níveis que o torna uma leitura indispensável para os fãs do género e para todos os outros.
Imperdível pelos cenários que evoca, pela melancolia agridoce da narrativa, pelas personagens credíveis e tão humanas, “Galveston” é um primeiro romance que acerta em cheio e cumpre plenamente as expectativas do leitor que procura um thriller envolvente, intenso e atmosférico.
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