101. Número bem redondo e com aspecto capicua que nos traz à memória um saudoso disco dos Depeche Mode, gravado no final dos anos (19)80, que não será contudo o assunto deste breve texto. 101 é, para o que nos interessa, o número de exercícios que Paulo José Miranda nos propõe realizar enquanto humanos, uma reflexão profunda e desencantada que chega sob a forma de poesia no livro “Exercícios de humano” (Abysmo, 2014).
“Como um pénalti bem marcado |a vida vai para um lado | e o humano vai para o outro”. É este o primeiro e curto exercício, que marca desde logo o ritmo quase fúnebre que Paulo José Miranda atribui à existência terrena, onde o humano surge, quase sempre, «encurralado entre sonhos e um cobertor.»
É um livro extremamente desencantado, onde Deus está sempre presente e quase nunca pelas melhores razões. Porém, se «entre a morte e a juventude | foi onde deus desenhou o inferno», não será preciso acreditar na presença divina para olhar o mundo com algum sentido de religiosidade: «Mesmo para quem como eu não é religioso | o mundo é o aquário de deus.»
Paulo José Miranda deixa ainda dois exercícios em branco, como que convidando o leitor a exercer, também ele, o acto poético da revisão existencial. Será contudo difícil fugir à negritude e a pensamentos como este, que ficariam bem na lápide – ou num berço – de um pensador dado à tragédia: «Como se morrer não fosse suficiente | ainda temos de viver». Poesia vestida de negro da cabeça aos pés.
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