Dificilmente Manuel Baltazar, mais conhecido por «Palito» ou «sem-tripas», imaginaria vir a ser um dia figura de capas diárias de jornais, ter a sua imagem na TV e, muito menos, ser a personagem central de um livro.
Não seria certamente essa a sua intenção quando agarrou na espingarda e, qual “John Wayne” – o cowboy que deverá ter visto a preto-e-branco na TV da tasca lá da terra -, se dirigiu até onde se encontrava a ex-mulher e familiares desta, fazendo aquilo que todos sabemos e que foi tão profusamente destacado, tendo o próprio personagem (Manuel Palito) consegudo iludir e andar fugido durante mais dum mês às inúmeras forças policiais que o perseguiam.
Certo é que este foi «só» mais um caso de violência doméstica, num aparato recente que trouxe este tema à luz do dia e à abertura dos telejornais, bem como ao recato dos lares lusitanos onde, pelos vistos, o sopapo e a estalada fazem parte da labuta diária de muitas famílias e géneros afins.
Mas qual é afinal o género duma família Portuguesa, no sentido mais lato e real desse sentimento, que se baseia na bandeira verde e vermelha e num hino onde se apela à peleia contra tudo e contra todos? Será que a família Beirã é igual à Alentejana, ou a Lisboeta à Algarvia?
Estas interrogações, por mais absurdas que pareçam, fazem algum sentido após a leitura de “Daqui Não Sais Viva” (Guerra & Paz, 2015), onde a caracterização genética e a mentalidade sexual da posse e do ressentimento são associadas á comunidade infértil e fechada sobre si mesma. Locais onde o tempo parou, díspares doutros, mesmo assim ligados pelas relações que cada um assimila, por aquilo que vê enquanto cresce, pela educação que tem. Pontos que, por mais distintos que sejam, acabam por se unir em actos violentos, que não olham ao género ou ao tipo. A violência doméstica é só mais uma forma dessa violência se exibir, expondo ao mundo a tacanhez de mentes; não só no acto em si mas, também, na complacência das comunidades que pactuam com determinados estilos de segregação familiar.
“Entre marido e mulher não se mete a colher” será, porventura, o ditado popular que mais traduz uma determinada forma típica de nos posicionarmos perante este tipo de actos, mesmo sabendo que, além de colheres, muitas vezes se intrometem facas, panelas, machados ou paus, sem falar de armas de fogo.
No caso de Palito, terão sido anos de compactuação da população, talvez porque até à sucessão do acto mais fatal eram os próprios companheiros de caçada que, de alguma forma, incitavam à concretização do mesmo, ao desacreditar o homem que o vinha ameaçando dia após dia.
Certo é que sendo este um acontecimento mediático, que levou o circo das televisões e jornais ao Portugal profundo, a sua inexplicação e o esquecimento da profusão de situações semelhantes é por demais óbvia.
João Bonifácio procura ilustrar a forma, desenhar o género e trazer alguma luz, muito mais do que a um caso, a todo um conjunto de vivências, rudes e violentas, que para muitos passam apenas pela categorização dada por duas palavras abstractas.
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