Ao ler Valério Romão, muito provavelmente o leitor será tentado a exclamar, nem que seja apenas numa conversa com os seus botões: esta escrita não é para meninos. De facto, pegando em tudo o que o escritor português já deixou impresso – leia-se, por exemplo, o magnífico “Autismo” ou o também recomendado “O da Joana” -, estamos diante de um universo carregado de negrume, que actua no leitor como uma faca a ser revolvida num braço em carne viva.
“Da família” (Abysmo, 2014), conjunto conceptual de 11 contos à volta do núcleo familiar, é uma amostra deste estado de espírito pouco dado a grandes familiaridades sentimentais, com personagens entregues a situações-limite capazes de conduzir ao suicídio, à redenção ou, muito provavelmente, ao reforço da medicação.
Cada um dos 11 contos – alguns deles publicados anteriormente em revistas como a Granta ou a Egoísta – é precedido, à boa e antiga maneira grega, por uma entrada que, ainda que nos prepare o caminho para o precipício que se adivinha, está muito longe de oferecer um colchão que ampare a queda.
Há um pouco de tudo: um médico que aprendeu a fazer diagnósticos pelo retrovisor de um táxi, um irmão que toma o lugar – e a aparência – da mãe, o nascer do dia em que o lar se transfere para um homónimo lar e, para não haver dúvidas das areias em que nos movemos, a explicação da vantagem do choro sobre o riso.
Para aqueles leitores que ainda não tenham deixado descendência, este pequeno livro de contos poderá ser o clique para a escolha de uma entre duas opções: a da eterna prática do sexo seguro ou, em alternativa, o despertar do instinto paternal/maternal, apanhando tudo o que é semente e embarcando no sonho de construir uma fruteira de dimensões humanas. No que às letras diz respeito, Valério Romão já faz parte da família.
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