“Biblioteca” (Tinta da China, 2015), de Pedro Mexia, é um livro que incute à leitura, ao debate, ao aprofundamento e à partilha: apetece ter companhia para partilhar as reflexões e informações que o autor apresenta. Não é um livro de digestão repentina, muito pelo contrário: fica-se com a sensação de ingestão de um substância energética fulgurante para o pensamento e para a reflexão.
No conjunto das 65 breves crónicas, originalmente publicadas nos jornais Público e Expresso, entre Março de 2008 e Março de 2015, são abordados temas que vão da democratização no acesso à informação e ao conhecimento facilitados pela era digital, à relação entre a amizade, a filosofia e a ética, da esperança e da ilusão de verdade ao estereótipo e à crítica, do amor à coragem, entre muitos outros.
Para tanto serviu-se Pedro Mexia de autores como Aristóteles e Agamben para a ética e o conhecimento, de Bergson, Proust, Dick e Agostinho para reflectir sobre o tempo, de Camões para a esperança, de Borges para a melancolia, de Pascal para a (in)felicidade e a solidão, de Berkeley para a perceção do mundo, de Balsac para a corrupção moral da vida urbana, de Kierkegaard para a filosofia ou a ética do agir, da consciência individual que não desprezando a vivencia colectiva acredita que “a subjetividade é a verdade e a verdade é a subjetividade“.
Num apontamento mais contemporâneo teremos oportunidade de pensar a cumplicidade e a complementaridade através de Pedro Paixão e Miguel Esteves Cardoso, a subtileza em António Tabucchi, a poesia de Vasco Graça Moura e de Herberto, a realidade, as diatribes e o alter-ego de Philip Roth.
Num registo autobiográfico contido, que não cansa, ficamos a saber que o gosto de Pedro Mexia pela leitura e pelo conhecimento em geral lhe advém do berço, dos tempos em que o pai, director de uma enciclopédia, o envolveu na busca e na paixão pela consulta, pela citação e pelo prazer pelo conhecimento. Um processo cedo percebido como sendo árduo e infinito, mas não inglório. A seu tempo chegou o ganho, sob a forma de companhia que cada novo autor, cada nova obra foi produzindo, moldando a forma de captar e gerir a realidade, ajudando a posicionar-se de forma estruturada perante a mesma.
Com uma tonalidade nietzschiana, considerando que “a amizade é a partilha que precede todas as outras partilhas, porque aquilo que existe para partilhar é o facto mesmo de existir, a própria vida“, verificamos que o autor, inspirando-se nomeadamente em Agostinho, reflecte sobre temas fracturantes da vida, como a noção de tempo: “vivemos num presente que não entendemos, assombrados por um passado apagado pelo futuro e um futuro que se sucede ao passado“.
Na mesma linha, reforça que “não há passado, mas lembrança; não há presenta, mas atenção; não há futuro, mas espera“. Tudo isto num posicionamento de grande respeito pela liberdade de pensar, de questionar e de (re)construir certezas em cima de destroços de uma realidade inacabada pela individualidade, requisito para que possamos prosseguir sem receio da nossa subjetividade, aquilo que nos faz parar (para alinhar agulhas), reflectir (para acertar o passo) e prosseguir (ao encontro do que se destacou pelo sentido e pelo sentir individual), sempre num registo de alguma insanidade e ubiquidade, pela própria natureza da tarefa de apreender, conhecer e viver, requisitos para que se almeje um vida de que um dia nos possamos orgulhar.
O registo para o leitor é este: um tema, um autor, uma obra, uma reflexão, um ganho. Ao todo são 65, mas fica a convicção de outros tantos terem ficado pelo caminho.
Pode-se terminar como se começou, realçando que “Biblioteca” é um convite à leitura, à reflexão e à partilha de ideias. Corre-se o risco de, ao lermos estas crónicas, interpelarmos quem se aprouver estar acessível e entabularmos conversa sobre qualquer um dos temas tratados. Mas não será esta a mais nobre missão de um livro, apelar à reflexão? Podemos ainda sentir esta compilação como um acto de generosidade do autor para com os fiéis que o acompanham desde sempre na sua actividade de cronista e de crítico literário, ou de apresentação para aqueles que, por agora e inusitadamente, nele tropeçam. Para os primeiros diremos que não há risco de desilusão; para os últimos, haverá certamente uma gratificação pela descoberta.
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