“Um desejo revolvido/ A chama arrebatada/ O prazer entreaberto/ O delírio da palavra” – a cada poema terminado, um pedaço da pele tocado. Um recanto do corpo pressionado pelo desejo, à mistura com o amor e com a loucura. Não fosse o corpo um dos objectos mais complexos do ser humano, um dos ingredientes mais ferozes para instigar os comportamentos mais instintivos, e não existiria toda a riqueza associada à sua exploração.
Escreve-se sobre o corpo, mostra-se o gosto e dá-se a ver o infinito, tal como escreve Maria Teresa Horta no primeiro poema de “As Palavras do Corpo” (Dom Quixote, 2012). É com ousadia que explora o gosto, a sexualidade e o prazer feminino em poemas crus e ferozes, equilibrados pela doçura e suavidade do amor. Palavras arrebatadoras, sôfregas e exaustivas, capazes de circularem nos confins do pensamento de qualquer ser humano (“Pedir-te que me peças/ que te queira/ no separar das horas/ sobre a língua”).
Se a sexualidade exposta em todas as livrarias combina o prazer com a submissão, com o olhar da mulher subjugado à presença masculina, os poemas de Maria Teresa exploram o prazer com a liberdade. Nascem numa única mulher e permanecem, ao longo de poemas doces e perversos, por todo o seu corpo. Às palavras do corpo engrandece-se a loucura e o inebriamento (“Bebi de ti/ o suco do teu corpo/ Inclinando baixo a boca/ em tua taça”), a exploração através da masturbação, o calor dos lençóis e a presença de um segundo corpo. Deitado ao seu lado, para levá-la a conhecer os seus cantos (“Põe devagar os dedos/ devagar…/ e sobe devagar/ até ao cima”) e os terrenos desconhecidos.
Longe dos estereótipos de perfeição, todo os que condizem com a imaginação e sonhos de todas as mulheres, o homem permanece tão perto da normalidade, a roçar na pura vulgaridade. Capaz de ser um homem a atravessar a estrada, de aparecer no mesmo estabelecimento com a descontracção de rodar a colher dentro de uma chávena de café. Um sorriso no rosto e formalidade nos gestos, num primeiro instante. Conhecedor, ao longo das páginas, dos recantos mais escondidos do corpo da mulher (“As tuas lentas mãos/ que percorriam/ a curva dos meus rins/ nas pernas que se abriam”), quando dezenas de conversas levaram à intimidade e à familiaridade. Uma paixão nascida de uma monotonia assente no emprego, casa e fins de semana planeados por um homem longe de permanecer no topo da sociedade aos olhos de todos. Por não se encontrar num estado de embelezamento e endeusamento, impossível a qualquer mulher, é capaz de entrar nos seus pensamentos e desejos (“Quanto mais lenta/ é a língua/ mais breves são os lábios/ e sobretudo os dentes”). Basta um toque para sentir todos os temores e fantasias, anseios e vontades da alma.
“As Palavras do Corpo” embatem fortemente no erotismo aliado à estética. À beleza do corpo e do prazer, entre estímulos e a degustação do corpo alheio. Embrulham-se os desejos por entre os lençóis recheados de suor, morre a racionalidade e ouvem-se todos os sentidos. O cheiro do peito do homem, a saliência dos seios, a fragilidade das ancas. Se os maus exemplares de erotismo invadem cada vez mais os hábitos de leitura dos portugueses, em onda tal como outros fenómenos literários, esta colectânea vai saciar todos os apreciadores do erotismo cru e belo: sem rudeza, controlo, objectos de diversão. Mostrado unicamente com mãos, olhos, lábios, língua, pénis e vagina. Zonas do corpo para levar ao prazer e, consequentemente, ao conhecimento.
«Morrer de amor
ao pé da tua boca
Desfalecer
à pele do sorriso
Sufocar
de prazer
com o teu corpo»
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