“A Tentação do Abismo” (Gradiva, 2015) é o primeiro livro Entre Crimes, a nova colecção da Gradiva dedicada à ficção policial que, de certa forma, garante a continuidade da tradição construída nos primórdios da editora com a inesquecível colecção intitulada Não incomode.
Quando se lêem autores dos quatro cantos policiais do planeta, a primeira sensação que atinge o leitor nacional ao pegar em “A tentação do Abismo” é a de um regresso a casa. Este é o nosso mundo, a nossa linguagem: são os “géninhos”, “os palradores”, a brigada de homicídios dividida em múltiplas secções, o auto de interrogatório, o DCITE, as DO’s e “o supra referenciado” – um termo magnífico que acompanha todas as comunicações e que pode ser o inquérito/o assunto/o arguido.
Outra singularidade desta obra, para além da sua portugalidade, é a sua figura central. O inspector da PJ Miguel Neves é um crítico, homem perspicaz, amante de vários prazeres: literatura, música, culinária (dá-nos uma excelente receita de Bacalhau à Brás) mas, acima de tudo, é um homem completo pelo amor e paixão por Tânea Sanz, que carinhosamente trata por “Blue Eyes” e que leva os descrentes a olhar para este PJ com um misto de cepticismo e ironia.
A investigação é iniciada após a ocorrência de um homicídio, mas cedo diverge para algo bem maior – droga, corrupção… Em simultâneo, Tânea Sanz, uma jornalista sem medo de tocar nas camadas mais obscuras da corrupção e do poder, prossegue uma investigação de alto risco.
Trata-se de um romance que casa o amor com o suspense do policial e que pretende tocar no íntimo das emoções, incidindo um pouco excessivamente neste casal que, de tão perfeito, levanta algumas suspeitas. No entanto, na parte final e no culminar da acção, o par sem medo desafia e enfrenta um grande e desconhecido destino que, com certeza, Rui Araújo e a Gradiva nos darão a conhecer muito em breve, pois mora aqui um desejo de continuidade.
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