Albert Camus (1913-1960), escritor, romancista, ensaísta, dramaturgo e filósofo francês nascido na Argélia. Como Nobel da Literatura, em 1957, viu reconhecida a sua importante produção literária, através da qual explorou, de diversas formas, dilemas da consciência humana, cético relativamente à definição de um sentido para a vida.
“A Queda” (Livros do Brasil, 2015) foi o último livro de ficção publicado em vida, em 1956. Nesse mesmo ano, o romance foi lançado em Portugal. Em 2015, novamente pela Livros do Brasil, volta a ser reeditado.
Breve, incisivo e mordaz, o livro descreve, na primeira pessoa e em género monólogo, a viagem introspectiva, da decadência à redenção, de um advogado parisiense, bem-sucedido, hedonista. A mestria do autor permite-nos ir para além do despojo da personagem e embarcar numa viagem de reflexão e auto-análise:
“Quando se meditou muito sobre o homem, por ofício ou vocação, acontece-nos sentirmos nostalgia dos primatas. Esses, ao menos, não têm segundas intenções.”
“A satisfação de ter razão, a alegria de nos estimarmos a nós próprios são molas poderosas para nos suster de pé ou nos fazer avançar. Privar os homens disso é transformá-los em cães raivosos.”
Num romance eminentemente filosófico, Albert Camus leva a que o leitor se confunda com o ouvinte anónimo, com o qual Jean-Baptiste Clamance, advogado parisiense que agora se auto intitula “juiz-penitente”, estabelece conversa num café noturno de Amesterdão.
A melancolia dos pensamentos expostos confrange-nos com a concepção do homem como ser solitário, destituído de moral, angustiado e insatisfeito. Capaz das maiores proezas revela-se, ainda assim, responsável pelas piores incoerências. A caridade surge, neste contexto, apresentada como um exercício de superioridade, praticada com júbilo e exibicionismo, uma verdadeira líbido:
“Quando me ocupava de outrem, era pura condescendência, em plena liberdade, e todo o mérito revertia a meu favor: eu subia um degrau no amor a mim mesmo.”
“Somos sempre mais justos e mais generosos com os mortos porque com eles já não há deveres.”
“Não se pode passar sem dominar ou ser-se sorvido. Todo o homem tem necessidade de escravos como de ar puro. Mandar é respirar.”
Muitas vezes classificado como existencialista, também aqui Camus se serve do confronto e revolta interiores como formas de inversão da degradação e do vazio:
“Raramente nos abrimos com os que são melhores do que nós. A maior parte das vezes, pelo contrário, confessamo-nos aos que se parecem connosco e aos que partilham das nossas fraquezas.”
“Depois de uma certa idade, todo o homem é responsável pelo seu rosto.”
“Vê-se mais claro, por vezes, naquele que mente do que no que fala verdade. A verdade cega, como a luz. A mentira, pelo contrário, é um belo crepúsculo que realça cada objecto.”
“Somos estranhas, miseráveis criaturas, e, por pouco que nos debrucemos sobre as nossa vidas, não faltam ocasiões para nos assombrarmos e nos escandalizarmos a nós mesmos.”
No seu cômputo, dilemas éticos atravessam toda a obra: o valor da ajuda egocêntrica, da acção orientada pelo problema dos outros ou pela necessidade de (a)parecer o fantasma da omissão, a auto-estima inflamada.
Nós e os outros, nós ou os outros, nós para além dos outros. Sempre nós, seres sociais incapazes de se estruturar autonomamente sem que o ser e o ter sejam esquartejados pelo colectivo. “A Queda”, apesar de todo o seu cepticismo, responsabiliza-nos por uma forma melhor de estar connosco e com os outros, transferindo-nos o ónus da decisão e da mudança.
1 Commentário
Muito bom artigo
gostaria de mais recomendações sobre artigos que versam sobre Camus e suas obras.