Há quem cante – mas nem por isso encante – em todo o lado: no chuveiro, no quarto, no carro, em programas formatados de televisão. Porém, muito pouca gente deverá cantar da mesma forma que a de Alice: deitada ao ar livre e, quase sempre, de olhos fechados.
Para Alice, o canto tem a mesma função das palavras e é, também, uma condição para a mudança. De cada vez que sai de casa, sem meias nos sapatos, procura um sítio para se deitar, fechando os olhos e ouvindo os muitos barulhos de uma cidade «grande e gorda». Perante a estranheza do acontecimento alguns param, outros perguntam à volta, os carros apitam, os sobrolhos franzem-se. Porém, assim que começa a cantar, o coração das coisas à sua volta vê-se destapado, tocado por uma música que «se prova na língua, se cheira no nariz, e se vê na paisagem dos olhos.»
Assumindo-se como um músico falhado, Sandro William Junqueira tece em “A Cantora Deitada” (Caminho, 2015) uma história carregada de poesia e musicalidade, que se lê como um hino à música e à forma como esta pode transformar o mundo, nas pequenas e nas grandes coisas.
As ilustrações de Maria João Lima dão muita alma a esta história musical, com alternâncias de côr, variações de técnicas de desenho e obrigando o leitor a mudar constantemente o livro de posição até à chegada de uma chuva reparadora. Um livro que se lê – e ouve – como uma bonita canção.
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