A surpresa é a tónica desta colecção de contos. Talvez não tanto para quem já conheça a obra de Aimee Bender, mas certamente para quem olha para a capa e para o título e fica com a vaga ideia de que estamos perante contos de fantasia, talvez a resvalar para o infantil.
A fantasia percorre as páginas de “A Alquimista das Cores” (Marcador, 2015), mas uma fantasia bem diferente daquela que um leitor desprevenido espera. Será fantasia misturada com os nossos corpos concretos, com tudo o que temos de humano, incluindo o medo, a violência, o desejo e o sexo.
Um livro de contos é sempre perigoso: o leitor faz o esforço de entrar num certo mundo, que rapidamente desaparece para se ver substituído por outro, e outro, e outro. Também neste caso, não há um mundo comum a estes contos e, por isso, temos de fazer esse esforço de reorientação cada vez que acabamos uma das histórias — mas sentimo-nos, ao longo das páginas, cada vez mais surpreendidos e seduzidos pela imaginação de Bender.
O que temos é a nossa realidade, os nossos desejos e as nossas fantasias (confessáveis e inconfessáveis), tudo apresentado de forma distorcida, como numa casa assombrada, mas assombrada com igual medida de sombra e de luz. Temos aqui o ser humano, com aquilo que o faz correr, beijar e fugir; temos aqui qualquer coisa de real, por mais fantasioso que possa parecer o enredo.
As surpresas são muitas: histórias em que a fantasia masculina de ver duas mulheres juntas se inverte; histórias de ogres com problemas maritais; uma mulher que passa a exigir pagamento pelo sexo com o marido, pois só assim se satisfaz; uma rapariga que vai para um país distante cerzir tigres que se ferem a si mesmos; uma mãe que analisa a sua relação com o filho através dum questionário numa revista; o homem que queria ser julgado e condenado por ter sido nazi, quando ninguém acreditava que o tivesse sido.
Estamos perante uma refeição composta de vidas banais que se tornam extraordinárias, e de histórias extraordinárias com o sabor dos dias comuns, como se todos fôssemos, ao mesmo tempo, ogres e adolescentes num centro comercial.
Ficamos algo perdidos mas surpreendidos e, nestes tempos que vêm já depois de todas as experiências e de todas as transgressões, a surpresa é dos sentimentos mais gratificantes que um leitor pode encontrar.
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