Antes do fenómeno da trilogia “Os Jogos da Fome”, já Suzanne Collins tinha assinado uma saga de fantasia para crianças com direito a uma boa recepção por parte da crítica e nomeações para diversos prémios de literatura infantil. “Gregor – A Primeira Profecia” (Editorial Presença, 2016) é o primeiro de cinco volumes sobre as aventuras do jovem Gregor na Subterra, um mundo imaginário nas entranhas de Nova Iorque povoado por uma civilização em que convivem humanos de pele translúcida e olhos violeta e animais falantes.
Gregor é um rapazinho de onze anos que se prepara para enfrentar umas férias de verão que se lhe afiguram intermináveis, entre o calor nova-iorquino, o tédio e as responsabilidades adultas que as circunstâncias da sua realidade nada infantil exigem. Com o desaparecimento do pai e a ausência constante da mãe, que tem de sustentar a família sozinha, cabe a Gregor cuidar da avó e das irmãs, especialmente da mais nova, a pequenina Boots, de dois anos. E é Boots, que ao cair por uma conduta de ar – como Alice cai pela toca do coelho -, o leva inadvertidamente para um mundo fantástico em que o tédio depressa deixa de ser uma preocupação. Após a estranheza de se deparar com uma terra em que baratas, morcegos, aranhas, ratos e humanos coabitam e guerreiam – e após o deslumbre da descoberta de Regalia e da Subterra -, Gregor vê-se num papel que jamais adivinharia: o herói relutante que tem de ajudar a cumprir a profecia que determinará os destinos de todos os Subterrestres e, claro está, o seu.
O que se segue é uma aventura na tradição da demanda do herói. O jovem estranho em terras estranhas tem de superar uma série de obstáculos, lutar pela própria vida e pela dos outros e aprender lições. O registo, a acção e os temas serão reconhecíveis para os leitores e apreciadores do género fantástico, mas Suzanne Collins não nos oferece um livro que é mais do mesmo. A autora consegue um equilíbrio exemplar entre a acção vibrante a um ritmo acelerado, bem recheada de peripécias emocionantes, momentos de tensão e interlúdios em que se detém para construir com brio paisagens e personagens com descrições que põem a imaginação do leitor a funcionar. Ainda que o elenco de personagens seja relativamente grande, há um cuidado em conferir-lhes solidez e complexidade e criar empatia por parte do leitor, um esforço que tanto beneficia o livro como quem o lê.
A par do fascínio normal que um romance de fantasia bem concebido provoca, talvez o triunfo de Collins seja a proximidade que a sua escrita cria com o jovem leitor. Num estilo simples mas de todo condescendente, a autora usa a voz, pensamentos e emoções de Gregor para chegar ao coração do seu público, permitindo aos leitores que se identifiquem com o protagonista e o acompanhem de bom grado na sua primeira grande aventura, abrindo-lhes o apetite para as que se seguirão. Digno de nota também é o esforço bem-sucedido da autora em abordar temas mais adultos como a guerra, com as suas alianças e subtilezas políticas, ou a realidade social de uma família desfeita e sem grandes recursos, com uma linguagem acessível e sem nunca deixar esmorecer a narrativa em montanha-russa.
Uma excelente oportunidade para os mais jovens descobrirem a autora de uma das trilogias de maior êxito de literatura juvenil numa saga que promete, a avaliar pelo primeiro volume. As aventuras do jovem Gregor têm tudo o que se procura neste tipo de livro – emoção, sustos, situações caricatas, uma galeria de personagens inesquecíveis e muita acção – e é garantido que o leitor chegará ao fim satisfeito e em pulgas para embarcar na próxima viagem à Subterra.
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