“O destino das opiniões solitárias é virem a estar excessivamente acompanhadas num tempo futuro”. Esta frase, escrita a 20 de Agosto de 1975 por Natália Correia, acaba por estar na génese do diário da própria Natália Correia, publicado na recta final de 2015 pela Ponto de Fuga, naquela que foi uma das mais bem conseguidas edições no campo da literatura de não ficção portuguesa. Frase – e diário – essa que, nos dias de hoje, está já a uma “distância suficiente para submetermos o calor das paixões revolucionárias à frieza da análise histórica”, como se pode ler na nota prévia.
“Não percas a rosa / Ó liberdade, brancura do relâmpago” (Ponto de Fuga, 2015) começa, desde logo, por evocar um ideal estético pouco comum em livros deste tipo. Cada uma das duas partes que compõem o livro está impressa num tipo de papel diferente, cabendo ao diário o lado mais lunar com a inclusão de muitas fotografias. A compor o ramalhete, uma sobrecapa que chega numa espécie de papel vegetal grosso, que lhe confere um acabamento e beleza surpreendentes.
Escrito entre 25 de Abril de 1974 e 20 de Dezembro de 1975, “Não percas a rosa” tinha como missão a revolução do espírito que, no lugar de cravos, traria antes rosas. Este diário cobre todo o período compreendido entre a queda do Estado Novo e as movimentações militares que, a 25 de Novembro de 1975, depuseram as vanguardas revolucionárias e instalaram, no seu lugar, as forças democráticas. Publicado pela primeira vez em 1978, esta corresponde à sua 3ª edição, que chega com muitas emendas, cortes e acrescentos feitos pela própria Natália ao manuscrito do diário. A segunda edição seguiu igualmente esse texto mas, nesta nova edição da Ponto de Fuga, regressou-se aos manuscritos originais foi feita uma análise comparativa entre estes e a versão publicada, o que permitiu localizar trechos e entradas inéditos, que foram incluídas nesta nova edição.
Além da publicação do texto como era conhecido da 2ª edição, esta edição apresenta algum material inédito, que resultou de uma análise minuciosa dos originais guardados nas duas caixas do espólio da autora: manuscritos e documentos mistos.
Quanto a “Ó liberdade, brancura do relâmpago”, apresenta um ano de “crónicas vagantes” publicadas n`A Capital a convite de David Mourão-Ferreira, até que a censura fez de novo mossa e a obrigou a mudar de jornal, passando então a escrever em A Luta, um novo matutino fundado por Raul Rego.
As crónicas aqui apresentadas, de ambos os jornais atrás referidos, são publicadas pela primeira vez em livro. O título dado a esta segunda parte do livro da Ponto de Fuga foi escolhido a partir do ciclo poético dedicado por Natália Correia à Revolução de Abril (Epístola dos Iamitas, 1976).
Globalmente, “Não percas a rosa / Ó liberdade, brancura do relâmpago” é uma mistura de testemunho histórico e clarividência romântica, com tanto de prosa como de versos invisíveis, que nos ajudam a compreender um Portugal que, ainda hoje, é território de opiniões solitárias e desejos de revolução.
1 Commentário
Muito obrigado por esta critica sobre um livro que acho ser tão valioso, um verdadeiro tesouro da nossa história comum.