Licenciada em História, professora de desenho, leitora entusiasta, construtora de páginas web e fazedora de capas de discos. E, além de tudo isto, uma vocação maior: a de ilustradora. Apesar de não andar há muito tempo nesta vida da ilustração, Ana Pez levou para casa alguns prémios com o seu primeiro livro, lançado em Portugal com o título “O Meu Irmão Invisível” (Orfeu Negro, 2015), que esteve entre as nossas escolhas do ano.
Um livro que nos devolve a magia da infância, mostrando que, muitas veze,s andamos a olhar para a realidade de um ângulo errado. Presente na Ilustrarte 2016, exposição que estará patente no alfacinha Museu de Electricidade até dia 17 de Abril deste ano, Ana Pez aceitou responder a algumas questões que o Deus Me Livro lhe colocou.
De onde surgiu a ideia de escreveres esta história sobre a magia da infância?
Comecei a trabalhar neste projecto há cinco anos ou mais na escola Arte Diez, em Madrid, onde estudei ilustração. Decidi criar um livro-álbum e pensei que esta seria uma boa oportunidade para não estabelecer limites e fazer o livro que gostaria de encontrar nas livrarias. Tinha acabado de descobrir a obra de Bruno Munari e a forma como usava o factor lúdico nos seus livros, o que me influenciou muito. Queria utilizá-lo da mesma forma. Mas tão-pouco queria fazer uma ode à imaginação das crianças, ainda que seja lógico chegar a essa conclusão. Será antes uma – ou duas – história que mostra como a percepção do mundo varia segundo a nossa personalidade. As duas crianças são uma espécie de Dom Quixote e Sancho Pança.
“Quando temos um irmão invisível, é preciso ficar de olho nele, pois, muitas vezes, temos de o salvar.” Também tens um irmão invisível?
Dou-me agora conta, ao ler esta frase, de que é uma atitude muito ao estilo de Sancho Pança, personagem com os pés na terra cuidando daquele que tem a cabeça nas nuvens, ligando-o à realidade. Sou filha única e, quando era pequena, desejava muito ter um irmão; e sim, durante uns meses inventei um que era invisível. A história não é totalmente inspirada neste acontecimento mas sim, é uma pequena homenagem ao meu irmão invisível.
Deveríamos, mesmo os mais crescidos, tentar encontrar os nossos momentos de invisibilidade?
Sim! Tornarmo-nos invisíveis pode ser útil em muitas ocasiões. Permanecer invisível pode tornar-nos mais seguros e fortes, pelo que procurar as coisas invisíveis nos faz também mais sábios.
Com a profusão e o apelo dos meios tecnológicos, há cada vez mais a necessidade de transformar os livros em objectos lúdicos, como este que recorre à técnica da ilusão e, de certa forma, das 3D?
Na realidade, a única coisa que compartilha com os 3D são uns óculos de cartão e as cores que se usam nas imagens 3D. Mas as lentes dos óculos deste livro são vermelhas, e a sua utilidade é totalmente distinta: servem para ocultar as partes da ilustração impressas em tinta laranja, e que o desenho altera ao ser visto através dos óculos. Como estamos habituados a ver estes óculos serem usados para as 3D, a princípio pode provocar a confusão nos leitores. De certa forma gosto disso, porque faz com que o efeito de invisibilidade seja ainda mais surpreendente. Creio que o mundo do livro vive um bom momento, tanto em termos criativos como da aceitação do risco por parte de algumas editoras e autores. A utilização de suportes digitais faz com que a experimentação de técnicas de impressão e formatos seja interessante para o mercado, o que acaba por abrir a porta a algumas ideias loucas.
O livro parece ter mudado de forma para chegar a este formato. Ficaste de certa forma triste, no início, por teres de alterar as ilustrações iniciais, para no final reencontrares a felicidade com a arte da ilusão e por teres criado dois livros num só?
Como disse há pouco, Bruno Munari foi uma grande influência. Mais concretamente um livro chamado “Circus in the mist”. Nesse livro ele joga com diferentes tipos de papel e outros truques para potenciar a narração e o efeito lúdico e de surpresa. Comecei a testar tipos de papel, a elaborar ideias com formatos raros, sem pensar numa história mas apenas numa ideia divertida de técnica. Depois logo procuraria a história que melhor se adequasse a essa ideia. Imersa nesta busca recordei um livro que na capa usava essa técnica de invisibilidade. Era um livro de tatuagens. Na capa, uma rapariga desenhada a preto exibia tatuagens em roxo. O livro vinha com uma bolsa de plástico roxa, e quando metias o livro na bolsa as tatuagens desapareciam. Pensei que era uma ideia maravilhosa fazer um livro assim.
Do teu currículo, para além da ilustração em nome próprio, surgem coisas como teatro, páginas web e capas de discos. Como arranjas tempo e cabeça para tudo isto?
Nestes últimos anos tenho conseguido dedicar a maior parte do tempo laboral à profissão de ilustradora, ainda que o complemente com outras ocupações. Uma das coisas que faço é ser professora de informática num colégio, duas horas por semana. Mas antes que vos deixe confusos, não sei quase nada sobre informática. Por isso faço-os desenhar com programas loucos e gratuitos, fazemos música, inventamos videojogos. Só fazemos coisas divertidas. A verdade é que acredito que tenho tempo para tudo, mas o tempo corre sempre mais do que eu, chega sempre primeiro!
Como é que uma licenciada em História acaba a dar aulas de desenho – e, também, a desenhar?
Agora que penso nisso, o mais estranho de tudo é ter estudado História. Sempre gostei muito de desenhar, mas fi-lo menos durante a adolescência. Quando acabei o instituto foi um momento delicado. É um momento em que parece que temos de decidir o futuro naquele instante e, salvo raras excepções, a maioria de nós está um pouco perdida. Por alguma razão decidi que a História era a minha escolha. Por sorte um ano foi suficiente para me dar conta de que desenhar me fazia muito mais feliz, e que preferia dedicar o meu tempo a isso. Neste ponto o meu pai teve um papel fundamental, porque foi ele que encontrou a escola onde comecei a estudar ilustração e através da qual conheci muita gente. Ainda assim acabei o curso de História e continuei a estudar ilustração. Por vezes o engano ajuda a tomar uma boa decisão, e há tempo para mudar de ideias. E isso é bom.
Lápis de cor, guache, acrílico, pop up, digital, 3D. De entre tudo isto quais são as técnicas e materiais com que preferes trabalhar?
A verdade é que não sei. Gosto de experimentar muitas coisas, de as misturar e sobretudo de me divertir. E como fazer isso leva normalmente muito tempo, demoro um pouco mais do que queria a terminar as coisas.
Quais são as tuas principais referências e influências no que toca à ilustração?
Uff, que difícil! Quando faço uma ilustração as minhas influências e referências vêm em grande parte dos bosques, do espaço, dos cactos, dos cubos e das cores turquesa e tomate vermelho. E também de autores com grande carisma, como Kitty Crowther ou Violeta Lópiz.
O que podemos esperar da Ana Pez para 2016?
Certo, certo, um par de livros infantis com textos de outros autores, um para França e outro para Espanha. Quero dedicar algum tempo a projectos pessoais, algumas ideias que tenho na cabeça há já muito tempo. E, também, ganhar mais destreza na pista de dança.
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