Desenganem-se aqueles que, ao lerem na capa a questão levantada pela Forbes e o New York Times – Será Samantha Shannon a próxima J. K. Rowling? -, dêem por si a pensar que Harry Potter e companhia têm agora rivais à altura na luta pelo trono da feitiçaria (com muito ensino pelo meio). Porém, apesar de não haver ninguém conhecido como “aquele que não se pode dizer o nome” em “A Estação dos Ossos” (Casa das Letras, 2015), há motivos suficientes para que os apreciadores de boa fantasia fiquem de olho nos restantes livros da saga.
As primeiras páginas, contudo, poderão assustar os leitores mais sensíveis. Não pelo mapa da Coónia Penal de Sheol I que, à semelhança dos livros das Crónicas do Gelo e do Fogo e afins, ajudam o leitor e a sua imaginação a guiar-se por uma terra estranha, mas antes pela dupla página que, como uma árvore genealógica com ramificações que nunca mais acabam, apresenta as sete ordens de clarividência (de acordo com Acerca dos Méritos da Contranaturalidade, um dos livros de referência no que diz respeito à clarividência). Um sentimento de estranheza que se desfaz ao gim de algumas páginas, ainda que de quando em vez se possa voltar atrás para
Estamos no ano de 2059. Paige Mahoney, uma miúda que vive o seu último ano teen, trabalha para Jaxon Hall na zona dos Sete Quadrantes, um dos corações do sub-mundo do crime da Londres de Scion. Um trabalho ultra-secreto, uma vez que o pai a tem como empregada de bar, desconhecendo que a verdadeira ocupação da filha é a de procurar informações invadindo a mente de outras pessoas.
Paige é aquilo a que, neste futuro não tão distante do nosso, se apelida de caminhante dos sonhos – uma clarividente -, algo que, no mundo controlado pela Scion, é considerado como sendo alta traição, estando os clarividentes aprisionados em cidades artificiais onde possam ser vigiados de perto – e, claro, usados para os fins decididos pelo poder.
Num dia em que, como muitos outros, Londres se vê salpicada pela chuva, Paige é atacada, drogada e raptada, para acordar mais tarde em Oxford, uma cidade mantida em segredo há quase duzentos anos e que é controlada por uma raça poderosa – os Refaim -, vinda de um mundo distante quando surgiram fendas profundas no éter, a matéria de que tudo o que nos rodeia é feito.
Cada um dos novos “recrutas” fica atribuído a um mentor, e Paige vê-se escolhida pelo Guardião, um refaíta com motivações misteriosas que, pela primeira vez, decide tomar alguém a seu cargo. Para recuperar a sua liberdade, Paige terá de se deixar reabilitar na prisão para onde a enviaram com um destino único: morrer.
Com uma explosiva mistura de fantasia e irrealidade, “A Estação dos Ossos” é um thriller de contornos épicos que abre uma avenida larga para a sequela. E, mesmo que a certa altura seja fácil adivinhar o desenlace, o leitor dificilmente quererá abandonar este comboio que circula a alta velocidade e com os travões em estado muito duvidoso.
“Gosto de imaginar que, no princípio, havia mais como nós. Não muitos, suponho. Mas mais do que existe agora.
Somos a minoria que o mundo não aceita. Pelo menos fora da fantasia, e mesmo essa é mal-vista. O nosso aspecto é semelhante ao de qualquer outra pessoa. Por vezes, agimos como qualquer outra. Em muitos sentidos, somos como qualquer outra pessoa. Estamos em toda a parte, em cada rua. Vivemos de um modo que se pode considerar normal, desde que não se dê demasiada atenção.
Nem todos nos sabemos o que somos. Alguns morrem sem nunca chegar a saber. Alguns sabem e nunca são apanhados. Mas andamos aí.
Podem crer.”
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