Revisitar a história é um dos mais fascinantes exercícios que o Homem pode almejar. Na impossibilidade de poder fazer um regresso ao passado através de um instrumento (irreal) como uma “máquina do tempo”, resta recriar acontecimentos, períodos… ou rotas comerciais.
E é essa última abordagem que Colin Thubron faz em “A Sombra da Rota da Seda” (Bertrand Editora, 2014), transformando este maravilhoso livro de viagens em uma obra repleta de emoção, pertinência e acutilância.
O autor, que faz parte de uma lista elaborada pelo jornal The Times que engloba os 50 maiores escritores britânicos do pós-guerra e preside a Royal Society of Literature, conta com livros traduzidos em mais de duas dezenas de línguas, cujo conteúdo o levou a percorrer o Médio Oriente, nomeadamente países como a Síria, Líbano ou Chipre.
Em “A sombra da Rota da Seda”, Thubron inicia a sua demanda em Xian, antiga capital da China, de forma a percorrer os milhares de quilómetros que compunham a antiga Rota da Seda, vivendo uma experiência que mistura conhecimento histórico com pertinentes e muito interessantes notas sobre a vida contemporânea.
A viagem é feita de autocarro, avião, a pé, em carroças com tração quadrúpede, de comboio ou jipe. Desde o coração da China, Colin segue o trilho da primeira grande rota comercial e atravessa as montanhas da Ásia Central, as planícies do Irão e penetra em território turco. Pelo caminho ficam experiências ímpares e irrepetíveis, que tornam os mais de 4500 quilómetros percorridos numa das maiores aventuras levadas a cabo pelo homem “moderno”.
A narrativa é absolutamente maravilhosa e a escrita de Thubron leva o leitor a sentir as agruras e delícias da viagem de forma única. Tal como é seu apanágio, Colin mistura erudição com sensibilidade, bom gosto com assertividade, passado com presente e laivos de futuro.
A facilidade e capacidade com que Thubron fala mandarim ou russo permitiu recolher informações preciosas ao longo de um percurso que cresce à medida da presença dos seus intervenientes. Apenas assim é possível sentir a miscigenação interpessoal e intercultural que é intrínseca às tribos e nações que integram as várias fronteiras políticas percorridas pelo britânico.
Em alguns locais da China Ocidental, por exemplo, o nosso narrador tenta entender um território habitado há muito por tibetanos, uigures e outros povos que encaram a presença chinesa de forma quase dilacerante e “incógnita”. Os fenómenos migratórios são outro dos temas observados e debatidos neste livro, que também faz um pertinente perfil de alguns espaços, outrora quase virgens, que estão a ser invadidos pelo cinzentismo do betão e pela industrialização sem alma.
Colin Thubron consegue relembrar a Rota da Seda como um trajeto bipolar e com vários sentidos, ou seja, como o resultado de um nervosíssimo sistema com dois polos distintos: a China e o Mediterrâneo.
Este percurso, que existiu durante cerca de três milénios, era feito em territórios que hoje são extremamente perigosos e votados ao isolamento. Thubron percorreu muitas vezes os caminhos sozinho, pois nenhum guia local ousou pisar tais campos “minados”, enfrentando graves problemas de saúde e tendo mesmo ficado de quarentena devido a insuficiências que derivaram da síndrome respiratória – também conhecida por SARS.
Ultrapassando problemas vários e com uma persistência heroica, Colin Thubron consegue tornar esta viagem numa maravilhosa experiência que toca o leitor de uma forma absolutamente emocionante, onde a geografia, a cultura e a política são ingredientes essenciais para a elaboração de um prato com sabor a mundo.
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