Continuamos a apresentar as primeiras novidades literárias de 2025, agora com uma selecção da colheita insolente e subversiva preparada pela Antígona.
Ficção
“Tea Rooms — Mulheres Trabalhadoras” | Luisa Carnés
Trad.: Helena Pitta
Romance | Janeiro
Madrid, anos 30. Prenúncios de guerra civil ecoam na cidade. Num distinto salão de chá, cruzam-se senhoras chiques e velhos habitués. Entre o brilho dos lustres e vistosas bandejas de bolos, nada escapa ao olhar arguto da jovem empregada Matilde: o trabalho árduo e sempre em risco, sonhos e dramas. Quando a agitação cresce nas ruas, Matilde dá voz às interrogações das colegas: devem juntar-se aos descontentes? Que preço teriam de pagar? E o que significa ser mulher neste mundo em convulsão? Romance coral, ardentemente político, “Tea Rooms” (1934) é a história do despertar de uma consciência social e um retrato das mulheres trabalhadoras no início do século xx, que se revela espantosa e tristemente actual.
“As Coisas — Uma História dos Anos 60” | Georges Perec
Trad.: Luís Leitão
Romance | Fevereiro
Sylvie e Jérôme, jovem casal que trabalha para agências de publicidade, vivem, ironicamente, obcecados em adquirir coisas, objectos de um desejo engendrado pela sociedade que servem. A frustração surge quando a felicidade que lhes acena nos jornais e nas montras parisienses choca com as exigências da vida real. “As Coisas” (Prémio Renaudot, 1965), de Georges Perec, é um clássico da literatura contemporânea e o retrato do fascínio que tralha de toda a espécie exerce sobre o comum mortal, soterrando-o no consumismo em que estaremos atolados até ao fim dos tempos.
“A Verdade e Outros Contos” | Stanisław Lem
Trad.: Teresa Fernandes Swiatkiewicz
Contos | Abril
Uma colectânea de contos, escritos entre 1956 e 1993, pelo autor de ficção científica mais filosófico da Europa, Stanisław Lem. Doze histórias que, no seu conjunto, nos relembram que as certezas de hoje são os erros de amanhã. O retrato que Lem traça é o de uma humanidade auto-indulgente, inconsciente dos seus defeitos, avidamente disposta a destruir o planeta e que, na verdade, não passa de uma partícula de areia no universo.
“A Paz das Colmeias” | Alice Rivaz
Trad.: Inês Dias | Prefácio Mona Chollet
Romance | Maio
Em 1947, antes d'”O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir, Alice Rivaz publicava na Suíça a sua obra-prima. «Creio que já não amo o meu marido», assim começa “A Paz das Colmeias”, o diário secreto de Jeanne Bornand, que nos revela um matrimónio em ruínas, as inquietudes de uma dactilógrafa de meia-idade numa encruzilhada da vida. Neste caderno inconformado de reflexões sobre a condição feminina, alimentado pela raiva face ao desconcerto do mundo, nada escapa às desapiedadas observações da protagonista: a relação entre os sexos, o matrimónio que converte o amor numa relação doméstica e os mecanismos da dominação masculina.
“Meninas e Instituições / Desejo Cinzas à Minha Casa” | Daria Serenko
Trad. do russo: Larissa Shotropa e João Maria Lourenço
Narrativa | Maio
“Meninas e Instituições” (2021) é o relato do quotidiano de funcionárias na máquina estatal de Putin, uma realidade que a autora conheceu de perto: a miríade de tarefas absurdas, a inescapável burocracia, e o assédio dos superiores, mas também a solidariedade que as une. “Desejo Cinzas à Minha Casa” (2022), escrito atrás das grades, narra a sua experiência nos primeiros dias da invasão da Ucrânia e testemunha as violências sofridas pelos que se opuseram a este conflito. Daria Serenko (n. 1993), dissidente russa, trabalhou em galerias de arte e bibliotecas estatais, vigiada por câmaras do regime. Quando estalou a guerra na Ucrânia, exilou-se na Geórgia e, desde 2023, integra a lista russa de «agentes estrangeiros».
“A Universidade de Rebibbia” | Goliarda Sapienza
Trad.: Manuela Gomes
Romance | Junho
Depois de “Carta Aberta” (Prémio Nacional ex-aequo de Tradução Literária 2024 da SPA/APT ), a Antígona prossegue a publicação do ciclo biográfico da autora – a «autobiografia das contradições». “A Universidade de Rebibbia” (1983) é o relato literário dos meses de reclusão que a autora passou numa prisão feminina no nordeste de Roma. Comovente homenagem a mulheres rebeldes e inconformadas, é um duro retrato do quotidiano atrás das grades, e a descoberta, entre risos, lágrimas e silêncios partilhados, de uma nova vida em comunidade, menos fria e indiferente do que a existência em sociedade.
“Como Animais” | Violaine Bérot
Trad.: Luís Leitão
Romance | Julho
Prémio das Livrarias de Madrid | Melhor Livro de Ficção 2023
Livro breve, magnético e incisivo, “Como Animais” (2021) é formado pelos depoimentos dos habitantes de uma aldeia isolada nos Pirenéus, quando uma criança desconhecida é avistada numa gruta e a suspeição se abate sobre um deles, revivendo lendas e mistérios. É através desta polifonia que Violaine Bérot, num texto magistral, compõe um tocante retrato da vida rural, reflectindo sobre a vulnerabilidade dos que decidem viver nas margens. Violaine Bérot (n. 1967) escreve-nos dos Pirenéus, onde, antes de completar trinta anos, se refugiou, trocando o febril ramerrame da cidade por uma vida frugal e bucólica. É autora de vários romances saudados pela crítica em França.
Ensaio
Um dos mais importantes porta-vozes do movimento indígena brasileiro, Ailton Krenak (n. 1953) dedica-se desde os anos 80 à defesa das culturas ameríndias, contribuindo para a criação da União das Nações Indígenas e da Aliança dos Povos da Floresta. Em 2023, foi o primeiro ameríndio a integrar a Academia Brasileira de Letras. Mora no vale do Rio Doce (Minas Gerais), território do povo Krenak que tem sido atingido por catástrofes ambientais resultantes da acção de grandes empresas mineradoras.
“Futuro Ancestral” | Ailton Krenak
Ensaio | Fevereiro
Em “Futuro Ancestral” (2022), Ailton Krenak demonstra preocupação com o nosso futuro colectivo ao mesmo tempo que desafia a ideia de que o mundo caminha para o seu fim. Na sua visão, esse futuro deve ser ancestral, incluindo um regresso ao mundo natural de onde o ser humano se desprendeu e que já existia mesmo antes de toda a ideologia do desenvolvimento e do progresso terem surgido para devorar o planeta.
“Ideias para Adiar o Fim do Mundo” | Ailton Krenak
Posfácio: Eduardo Viveiros de Castro
Ensaio | Fevereiro
“Ideias para Adiar o Fim do Mundo” (2019) é um livro cuja preocupação com o futuro da Humanidade está bem presente. Baseado em duas conferências realizadas em Portugal, no Teatro Municipal Maria Matos, em 2017 e, no ICS, em 2019, Ailton Krenak reflecte sobre a forma como os seres humanos se vão separando cada vez mais da Natureza, atacando-a em vez de a proteger, contrariamente à visão indígena, que olha para o seu entorno como algo intrínseco ao ser humano.
“Gaza perante a História”|Enzo Traverso
Trad.: Pedro Morais
Ensaio/História | Março
Ensaio escrito en situation, em resposta ao coro mediático que justificou a destruição de Gaza com a necessidade de Israel se defender após o 7 de Outubro de 2023, “Gaza perante a História” (2024) é uma reflexão crítica que busca desconstruir essa narrativa. Fazendo diferentes paralelismos históricos e analisando conceitos-chave – orientalismo, anti-semitismo, razão de Estado –, Enzo Traverso desmascara os axiomas ocidentais, baseados no racismo e no colonialismo, que fundamentam a política expansionista e genocida israelita levada a cabo com a conivência do chamado «mundo civilizado». O trabalho de Enzo Traverso (n. 1957) centra-se na história do Holocausto, nos totalitarismos e revoluções contemporâneos. É autor de “Les nouveaux visages du fascisme” (2017) e “O Passado, Modos de Usar” (Tigre de Papel, 2020).
“Marcas de Batom – Uma História Secreta do Século XX” |Greil Marcus
Trad.: Helder Moura Pereira
Ensaio | Março
Enciclopédia da subversão e da revolta, um livro no qual se cruzam os Sex Pistols, Debord e os situacionistas, dadaístas e gnósticos da Idade Média. Em entrevista a Tony Wilson, em 1989, Greil Marcus – crítico musical, ex-editor da Rolling Stone e colunista icónico – confessava ter ficado abismado ao ouvir Johnny Rotten cantar «Anarchy in the UK». Restava-lhe descobrir de onde vinha a força, o poder, o niilismo e o NÃO rotundo dos Sex Pistols, gritado ao mundo. “Marcas de Batom” (1989) é uma viagem alucinante e imparável que o leva dos heréticos medievais aos dadaístas, situacionistas e anarquistas, e que prova que, ao longo da História, apesar de múltiplas tentativas de supressão, foi impossível calar as vozes marginais que reaparecem e se fazem ouvir incessantemente na música, em manifestos, na arte, e que formam uma corrente demasiado vital e coerente para ser travada. Inclui uma nova introdução e bibliografia actualizada pelo autor.
“Uma História dos Bombardeamentos” | Sven Lindqvist
Trad. do sueco: Ana Diniz
Ensaio/História | Abril
Do autor de “Exterminem Todas as Bestas”, a Antígona publica uma das obras mais aclamadas de Sven Lindqvist, uma visão histórica do «século das bombas» e das ideologias da guerra e da violência. “Uma História dos Bombardeamentos” (1999), compêndio dos efeitos devastadores da «morte que vem dos céus», assume um jogo formal sui generis: uma estrutura fragmentada – como se estilhaçada por uma bomba –, em parágrafos numerados, na qual o leitor escolhe o seu percurso, revisitando marcos da guerra aérea e a vida de civis em tempos de conflito. Um labirinto de acontecimentos, onde a cada passo o autor apela a um presente que teima em não aprender com os erros do passado.
“Nós, Filhos de Eichman – Carta Aberta a Klaus Eichmann” | Günther Anders
Tradução e prefácio: Tiago Mesquita Carvalho
Ensaio | Junho
Em 1964, depois da leitura de Eichmann em Jerusalém, de Hannah Arendt, Günther Anders escreve duas cartas ao filho mais velho de Eichmann. Diz não pretender revisitar o passado recente, mas falar aos seres humanos enredados numa humanidade que a todo o momento pode recair na barbárie. Porque o progresso técnico concebeu uma megamáquina tão poderosa e desorientadora, que torna imperceptível a todos os que a servem o carácter lesivo das suas acções, favorecendo uma falência moral. A obra de Günther Anders (1902-1992), ensaísta profícuo e primeiro marido de Hannah Arendt, é dominada pelo trauma dos bombardeamentos nucleares e pelo papel da tecnologia na sociedade.
“Sobre o Anarquismo” | Noam Chomsky
Trad.: Diogo Duarte
Ensaio | Julho
“Sobre o Anarquismo” (2005) é um compêndio para entendermos o pensamento político de um dos principais intelectuais do nosso tempo. Chomsky observa a significância do anarquismo, destacando períodos históricos em que as ideias anarquistas foram postas em prática. Analisa a confusão entre libertarianismo e anarquismo no contexto americano, e defende o antiautoritarismo das ideias anarquistas como questionamento constante das estruturas de poder. Noam Chomsky (n. 1928), linguista e activista, é conhecido pelas suas posições radicais e pela crítica da política externa dos EUA. É autor de “A Democracia e os Mercados na Nova Ordem Mundial” (1994), “Iraque: Assalto ao Médio Oriente” (2003) e “Occupy” (2012), publicados pela Antígona.
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