“Três Mulheres na Cidade”, da espanhola Lara Moreno (Alfaguara, 2024), é um romance sobre a contemporaneidade num feminino fora dos holofotes. Estamos em Madrid. Avizinham-se os anos vinte do Sec. XXI, e três mulheres continuam reféns de um conceito de vida que só faz sentido se for alimentada por laços familiares. Todas elas se mantêm suspensas – em relacionamentos tóxicos e até abusivos, em deveres de sustentar os estômagos e a esperança de quem as vê partir e aguarda o ouro das suas quimeras, no medo da perda da identidade.
A espanhola Oliva, a colombiana Damaris e a Marroquina Horía acabam por se cruzar no prédio onde a primeira vive, a segunda trabalha e a terceira é acolhida. Cada uma, à sua maneira, resiste e não se acomoda. A transformação leva tempo e, muitas vezes, surge camuflada pelo desalento e pela desistência, mas elas continuam, discretamente persistentes. Acaba por ser curiosa a forma como a sua coexistência espácio-temporal confere um certo mistério e suspense à narrativa.
Com Oliva, visita-se o ciclo completo de uma relação amorosa abusiva e violenta. Com Damaris, o instinto de sobrevivência num cenário de catástrofe, pós-terramoto. Com Horía, o drama dos refugiados e da emigração ilegal. A vida destas mulheres é um retrato do amor nas suas diversas dimensões, da exploração nas suas diversas formas e da resistência nos seus diversos limites. Mulheres que se deixam tocar pelos homens e pela vida, que hesitam mas prosseguem, que se esgueiram pelas frinchas do quotidiano partilhado com outros figurantes importantes, não abdicando de ser protagonistas das suas vidas. Fazem planos, dissimulam o sofrimento e a frustração, choram frequentemente, mas também conseguem rir, apressam-se a acreditar em promessas, a gerir ultimatos, a conter súplicas, a evitar precipícios. À sua volta, há quem toque de forma indelével a sua angústia.
Desengane-se quem procure uma narrativa arrumadinha e previsível. Lara Moreno faz jus à imprevisibilidade da vida, incorporando com igual intensidade e subtileza a ambivalência e a dissonância no pensamento das personagens e na evolução da sua condição. Tal como elas, depois da última página, a vida continua incerta, voltando a impor-lhes a necessidade de se reinventarem e de convocarem a arte da resistência.
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