“O Rouxinol “ (Círculo de Leitores, 2015) revela-se um romance surpreendente e oportuno. O relato, na primeira pessoa, de angústias e dilemas morais geridos pelas irmãs Rossignol, são o pretexto para revisitarmos França por altura da II Guerra Mundial, percorrendo o período de 1939 a 1945. Neste intervalo temporal a autora guia-nos pela “França livre” e pela “França ocupada”, olhando a desilusão perante a cedência política a pretexto de uma acalmia e pacificação que se verificou ser meramente instrumental (pelo menos para uma das partes do conflito).
A todo o momento somos convidados a acompanhar a dicotomia entre duas personalidades e dois mundos: Isabelle, a resistente, rebelde, determinada e motivada; Vianne, mais velha, a ponderada, ansiosa e insegura, a que sempre seguia as regras. Duas irmãs unidas e separadas pela dor e pelo ressentimento de várias separações: “Isabelle acreditava numa França livre da mesma forma que a sua irmã acreditava em Deus.”
Guiados pela generosidade narrativa somos conduzidos numa visita a França, com passagem mais demorada por Paris e por Carriveau, uma pequena aldeia do interior. No decurso desta viagem será inevitável confrangermo-nos perante a condição humana levada ao limite. Em situação de guerra, como se escapa? Como se preserva a essência do ser humano? Como se gerem os mais básicos instintos de sobrevivência individual? Um confronto entre o eu e o outro, o individual e o colectivo, o imediato e o futuro, o prazer e o sacrifício, a convicção e o desalento, a vitória e a derrota.
Qual dos dois elementos presentes num conflito será mais paralisante, as armas ou o medo? Paris, cidade com a sua arquitetura preservada, intacta, ainda sem sinais de bombardeamentos, passou a viver na escuridão, mesmo em plena luz do dia, revelando com o seu silêncio a perda e o desespero de quem lá vivia. Uma cidade “outrora bela que envelhecera e se tornara magra, cansada e abandonada pelos seus amantes. Esventrada na sua essência.”
O medo. A desconfiança. A apatia. Como organiza e prossegue quotidiano o sobrevivente que simplesmente se quer proteger: luta ou encobre-se? Através de Isabelle e Vianne Rossignol, somos cotejados com dilemas, num confronto majestoso entre a ética e a sobrevivência. Será admissível a simpatia e a cumplicidade entre carcerário e prisioneiro? Como se consegue ser fiel a ideais quando se definha? A denúncia. O sacrifício levado ao limite, retratando o melhor e o pior.
Revisitando alianças e ruturas familiares Kristin Hannah brinda-nos ainda com o valor das memórias e da dor que, estando presente nas mesmas, é tantas vezes superior à dos ferimentos físicos. Uma narrativa generosa em emoções, transportando-nos para o vazio da partida e do desconhecido. Límpida, desprovida de empoamentos, fiel ao personagem e amiga do leitor, ingredientes para uma boa leitura: enredo, suspense, romance e dilemas que confrangem. Tudo para que não lhe fiquemos indiferente. Intenso e (assustadoramente) actual. Numa palavra, cinéfilo.
A autora consegue preservar a dúvida e o interesse ao longo das quase 500 páginas, infiltrando breves apontamentos relativos a uma das personagens, deixando- nos suspensos relativamente a qual das duas posturas se revelou mais profícua: a ousadia de Isabella ou a reserva de Vianne. Será que os audazes estão efectivamente protegidos?
No final do livro, encerrado o enredo e num hino à perseverança, a autora agradece o que directa ou indirectamente contribuíra para a sua obra; agradece à vida, sem excluir a dificuldade.
Com mais de vinte títulos publicados, três em português, Kristin Hannah, escritora norte-americana, premiada, possui já propostas de adaptação de “O Rouxinol” ao cinema. Uma perspectiva interessantíssima.
1 Commentário
Muito boa história, porém , achei a tradução para o idioma português com muitos erros gramaticais, e algumas vezes o nome duas das personagens irmãs são trocados.