Tal como uma Elena Ferrante dada à Gastronomia, o Casal Mistério tem optado pelo belo do anonimato, servindo refeições completas há qualquer coisa como uma década. Até a própria biografia, cozinhada em nome próprio, tem tudo para ser um acto de ficção, entre um casamento com uma porrada de filhos e a razão para terem avançado com este projecto que tantas alegrias têm dado a muito boa mesa portuguesa: “Em Dezembro de 2013, depois de um almoço em que nos serviram um salmão seco e sem graça, decidimos criar um blogue anónimo de crítica-mistério, onde descrevemos as nossas experiências em hotéis e restaurantes. Relatamos tudo: o bom, o mau e o péssimo. Sem os agrados, as simpatias ou as atenções especiais habitualmente dedicados aos críticos”.
A verdade é que aquilo que começou como um passatempo virou coisa séria, dando origem a um site que conta já com mais de 100 milhões de visualizações, uma rubrica semanal na rádio, um canal de vídeos online, cinco livros, três prémios de melhor blogue do ano na categoria de culinária, a primeira feira de brunch e brinner em Portugal – o BrunchVilla, que se divide entre Lisboa e Porto – e o podcast «Favas Contadas», onde se fala da história da comida.
“Casal Mistério: 10 Anos” (Manuscrito, 2023) é um best of de uma de uma década desta dupla misteriosa e apaixonada por comida, oferecendo 70 receitas e 20 novas dicas naquele que é tudo menos um livro de culinária normal. Seja por usar e abusar de substâncias tão letais como a nutella ou as oreos ou, sobretudo, por nos apresentar cada uma das receitas com um texto carregado de humor, poder de síntese e escrita gourmet. Vejam, por exemplo, esta introdução ao Camembert no forno com nozes caramelizadas: “Esta receita foi-me sugerida por uma amiga. Uma boa amiga. Não daquelas que nos dizem que estamos lindas e maravilhosas, quando estamos uns trambolhos. Não daquelas que nos dão as quantidades dos ingredientes todas trocadas, só para dizerem que cozinham melhor do que nós”.
Bastante explicativo e deixando qualquer sentimento de culpa na gaveta, o livro troca as espécies alimentícias – entradas, pratos ou sobremesas – por horários – 7h00-11h00, 12h00-15h00, 16h00-18h00, 20h00-22h00 – e, só naquela, acrescentando dois períodos fulcrais: a qualquer hora e à hora da desgraça. Tudo muito bem explicado e acompanhado de fotografias que dão vontade de fazer da cozinha a nova sala de estar.
Há de tudo por aqui, sejam receitas de poucas calorias ou outras com calorias extra: salada caprese de morangos, ovos mexidos com curgete ralada, rolo de espinafres com recheio de atum e iogurte grego, trufas de abacate e chocolate, rolinhos estaladiços de queijo de cabra com mel e tomilho, massa de camarão com zero hidratos de carbono ou peitos de frango com crosta estaladiça de cornflakes. Há ainda 10 dicas contra o desperdício de comida, outras tantas contra o desperdício de tempo e 10 utensílios para ter por perto para experimentar todas as receitas deste livro, que merecia bem uma estrela Michelin. O mistério é sério.
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