“Ao lado do meu prato, pus aquela colher”. Um gesto supostamente altruísta que não é muito do agrado da progenitora da protagonista desta história ilustrada: “Essa colher não”, diz a mãe de avental posto, antecipando o mergulho na tigela de sopa.
Aparentemente, esta mesma colher – que não deverá também ser olhada como instrumento musical – já terá servido para cavar buracos e plantar sementes de abobora, mas isso são contas que a mãe não precisará de fazer – ou saber.
Com texto de Sandra Siemens e ilustrações de Bea Lozano, “A Colher” (Fábula, 2024) é uma história afectiva e familiar que parte de uma colher que pertenceu à bisavó desta jovem, e que tem passado de geração em geração escrevendo histórias mais ou menos secretas, saltando de gaveta em gaveta de acordo com a utilidade que cada um lhe dá.
Partindo de uma repreenda sem qualquer toque de etiqueta, mergulhamos numa história sobre o sentimento de pertença, a memória, o direito à escolha e a forma como a imaginação revoluciona a utilidade dos objetos, fazendo desta colher um símbolo de uma família que, a certa altura, teve de cruzar o mar para sobreviver.
Os desenhos de Bea Lozano incorporam de forma belíssima os elementos naturais, ao mesmo tempo que desenha os objectos com um certo ar vintage, introduzindo o elemento fantástico para fazer avançar a narrativa. Há muito branco e alguma contenção no uso das cores, talvez para nos transportar ao tempo em que, pela primeira vez, esta colher passou a fazer parte desta família, viajando entre blusas e um par de sapatos de salto alto.
Sandra Siemens é uma escritora argentina que estudou Letras e cursou Literatura Infantil. Publicou o seu primeiro romance em 1992, já recebeu várias distinções e tem livros no catálogo The White Ravens. “A Colher” recebeu o Prémio Fundación Cuatrogatos em 2021. Bea Lozano é uma artista espanhola que estudou ilustração, obtendo em 2017 a sua primeira menção honrosa.
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