Depois de “Somos (Mesmo) Uma Merda a Crescer”, um livro de cartoons onde explorava de forma entrecortada os relacionamentos, a ansiedade, as redes sociais, o trabalho e o que era isso de crescer, tudo entre publicações no Instagram, a tomada de ansiolíticos e uma sucessão de empregos precários, Filipa Beleza dá um passo de gigante em frente a oferece-nos “Amor” (Iguana, 2024), um conjunto de seis histórias sobre o sentimento que mais batidas por minuto empresta ao corpo humano.
Cada uma das histórias junta, ao preto e branco, uma cor dominante, com a qual a autora cria a atmosfera envolvente para seis vertigens amorosas, servidas sem título e com o embalo de contos em formato de banda desenhada.
A vermelho chega-nos uma versão em modo de cinema mudo, de um amor doido e iniciático, capaz de levar à nudez pública e de contagiar os mais incautos; num amarelo torrado conhecemos a história de Eva e Joaquim, vizinhos há 20 anos e em acesas discussões há 19 anos e 9 meses. Tudo por causa da alergia de Eva às flores, a paixão maior de Joaquim, que diz ser “um florista a fazer de otorrino”. Na falta de anti-histamínicos, resolve-se a coisa com tesoura, papel, cola e uma visita inesperada; é por entre o roxo que penetramos na confusão que é a vida de Luís, habituado a crescer entre os candeeiros acumulados pela mãe e os padrões pouco casamenteiros entre si com que o pai cobriu a casa, numa tentativa de combater uma fobia não diagnosticada. Não admira que Luís, assim que deu de frosques, tivesse abraçado o minimalismo e a ordem, mas uma inesperada herança que rosna irá virar-lhe a vida ao avesso; Ana sonha, a azul, o mesmo sonho que transporta desde a adolescência: que alguém lhe escreva uma canção de amor. Tudo por culpa de um “mundo onde o amor era dramático, emocionante e frequentemente expresso através de metáforas duvidosas”, que a deixará eternamente – ou talvez não – à espera do Cohen encantado; Francisca surge pintada de rosa, ela que tinha o sonho de se tornar pasteleira e acabou no ramo da vidência, especializada em temas do coração. Uma vidente pouco aberta em relação ao (seu) futuro, que se vai alimentando das memórias e sentimentos alheios abraçada a questões existenciais importantes: “Como posso estar bem com outra pessoa se não estiver bem com a minha receita de bolo crocante?”; por último, é de verde que se pinta a história de um artista em crise criativa, esperando reencontrar o avô e o seu rasto “entre calços e vigas”, na casa que este construiu em vida.
Filipa Beleza desenha, entre o amor romântico e o afecto canídeo, várias das engrenagens que nos transformam em criaturas de coração quente. Um coração que umas vezes se enche de orgulho e, outras tantas, acaba feito em pedaços tão pequenos que nem a Super Cola 3 é capaz de remendar. Depois deste “Amor”, cresce a expectativa em torno da próxima aventura ilustrada da autora.
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