Kurt Erich Sükert. Era este o verdadeiro nome de Malaparte, um pseudónimo escolhido a dedo para mostrar que estava do outro lado de uma barricada construída por um senhor, assim para o anafado, que ficou conhecido para a história como Bonaparte.
Personagem pouco amada por praticamente todas as esferas sociais, Kurt começou por se apaixonar pelo fascismo e acabou encantado pelo comunismo, escrevendo ao longo da vida alguns livros, a maior parte resultado da sua experiência e visão de uma Europa atravessada por uma grande guerra. Obras que, diga-se em abono da verdade, foram chamadas de “primas” ou, dito de forma mais ruidosa, “uma verdadeira porcaria”, não havendo lugar para a indiferença crítica.
A razão de convidarmos Malaparte para o recreio do Deus Me Livro não tem, contudo, a ver com política ou literatura, apesar de rimar com esta última: arquitectura. Confusos? Pois bem, tem tudo a ver com “A casa do senhor Malaparte” (Circo de Ideias, 2015), construída num promontório situado na parte oriental da Ilha de Capri, em Itália. A construção da casa foi desde logo marcada pela polémica, pois parecia ter conseguido contrariar todas as normas do ordenamento local de uma assentada.
Ainda assim a obra foi em frente, mas bastaram colar-se alguns tijolos para que a confusão fosse de novo instalada. Malaparte foi aos arames, chateou-se e mandou o (famoso) arquitecto Adalberto Libera às urtigas e, adoptando a máxima do faça-você-mesmo, construiu ele próprio a casa com a ajuda de um pedreiro. O resultado é uma das mais estranhas e famosas casas que a arquitectura viu nascer, e que chegou mesmo a receber Brigitte Bardot e o realizador francês Jean-Luc Godard para as filmagens de “Contempt”.
Primeiro livro de uma colecção intitulada Casas com nome e lançado pela editora portuense Circo de Ideias, especializada no campo da arquitectura, “A casa do senhor Malaparte” conta a história da construção e das desavenças entre Malaparte e o arquitecto, oferecendo uma visita guiada e em grande formato a esta estranha casa. E tudo através de versos e rimas, que convidam o leitor às palmas e ao cantorio.
As ilustrações de grande formato, da autoria de Mariana Rio, reflectem, entre o uso desenfreado – mas ainda assim sóbrio e com tonalidades escolhidas a dedo – da cor, vários padrões e muitas texturas, toda a estranheza e espírito empreendedor alucinado e desordenado de Malaparte, que construiu uma casa sem plantas (daquelas que se desenham em papéis, não das que se cheiram ou fazem cócegas).
O texto de Joana Couceiro é delicioso e carregado de poesia, levando-nos numa visita guiada aos aposentos desta estranha personagem que queria viver no meio de nenhures apenas com a sua solidão.
Dirigida a adultos e crianças a colecção pretende, como se lê na nota da editora, reunir um conjunto de casas exemplares do século XX revisitadas através de uma dimensão literária e imagética. Que estranha casa se seguirá agora? Por aqui estamos em pulgas.
Sem Comentários