“Don Zizzi? Porque me devo vingar dele?”. De copo na mão, fato com corte de alfaiate e os olhos direccionados para os cubos de gelo que provavelmente já eram, Slick interroga Rex sobre que motivos terá para agir, como lhe é exigido, de forma vingativa. “Talvez porque ele matou o teu pai e fez da tua mãe uma prostituta?”, ouve de volta. Os motivos parecem ser válidos quanto baste, mas com Slick há sempre um plano B ou C nas entrelinhas. Basta ver como, sempre no espírito oficial & cavalheiro, devolve o troco: “O meu pai era um patife. E a minha mãe era pior que ele. Tive uma infância maravilhosa no bar clandestino da minha avó, graças ao Zizzi. Devia era agradecer-lhe”.
“Noir Burlesco (2 de 2)” (A Seita, Arte de Autor, 2023) encerra, em grande estilo, o díptico escrito e desenhado por Marini, com muito de cinefilia à mistura e um personagem principal que, com a sua quota parte do sarcasmo, ironia e pelo na venta, nos traz à memória o inesquecível Marlowe de Chandler. Alguém capaz de gerar antipatia, ser transformado num saco de pancada à boleia de esmeradas piadas ou de, no que toca à autoridade, estabelecer uma relação mais doce do que agri. As ilustrações são gravadas a traço grosso, estendidas por vinhetas de tamanho XL, num preto e branco que apenas surge, a espaços, incendiado por um fogoso – e muito vistoso – vermelho.
Para Slick, aparentemente encostado às cordas, a missão é de monta: roubar, de casa de Don Zizzi, o quadro da mãe deste, que segundo reza a lenda foi pintado com as suas cinzas. Porém, ao contrário de um trabalho que lhe assentaria bem enquanto solista, terá de levar consigo um gangue onde descobrimos, por exemplo, um tipo que se diz Sioux (e que responde pelo nome de Crazy Horse), ou Sharky, que aparenta ter apenas – e com sorte – um neurónio.
Sozinho contra o mundo, Slick terá de arranjar forma de roubar um quadro, escapar a um tresloucado gangue e a Rex e, no final, fugir com a bela da ruiva. A não ser que, aquele Blam que escutámos no início do primeiro volume – e que antecedeu todos estes flashbacks -, tenha calhado a um deles. Depois deste caprichado díptico, aconselha-se um passeio “À beira do abismo” pela mão de Raymond Chadler.
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