Em plena tarde de Maio, numa taberna do bairro judeu de Roma, os olhares de dois jovens de 19 anos cruzam-se e a atracção é imediata, apesar de os tempos não serem propícios ao amor que nasce entre ambos. Estamos em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, e a Itália enfrenta as consequências desastrosas de se ter rendido aos sonhos megalómanos de glória do regime fascista de Mussolini. Após humilhações sucessivas nos campos de batalha, a Itália depende cada vez mais da aliança com a Alemanha nazi, e a sua população civil sofre com racionamentos de bens de consumo, além de outras restrições, pelo que a decrepitude da taberna não destoa do estado de degradação dos restantes edifícios.
O rapaz chama-se Betto, é trigueiro, ateu, filho de judeus, e trabalha como empregado de mesa, depois de o seu percurso académico ter sido limitado, tanto pelas leis que impuseram a segregação racial, como pela rebeldia que o fez ser expulso da escola judaica. As leituras proibidas a que se dedica despertam-lhe ideias revolucionárias, conduzindo-o ao anarquismo e à vida perigosa dos membros das organizações clandestinas antifascistas. A rapariga chama-se Gina, é católica, tem aspecto ariano, integra um grupo animado de estudantes que celebram o fim do ano lectivo – antecipado por causa da guerra – e, apesar de pertencer a uma família que vive com relativo desafogo no meio da carestia generalizada, também deseja uma mudança política. Os dois constituem o par protagonista de “Uma Luz na Noite de Roma” (Harper Collins, 2023), mas o livro apresenta outras personagens dignas de destaque, incluindo a enfermeira Orlena, irmã mais velha de Gina, a desagradável senhora fascista que é mãe de ambas, e diversos frades da Ordem Hospitalária de São João de Deus, que desempenhou um papel crucial e surpreendente numa fase conturbada da história italiana.
Esta ordem religiosa gere o antigo Hospital Fatebenefratelli, erguido no centro da ilha Tiberina, a qual se situa na zona do Rio Tibre que atravessa Roma e se celebrizou na antiguidade graças ao seu Templo de Esculápio, o deus da Medicina. Expondo-se a riscos graves, a comunidade de frades provenientes de várias nações – de Portugal à Polónia, passando pela Espanha e pela França –, em colaboração com o pessoal médico, proporcionou esconderijo a opositores políticos, elementos da resistência italiana, combatentes das forças aliadas e judeus, chegando até a aceitar até a instalação de equipamentos de radiotelegrafia para fornecimento de informações aos aliados e a inventar uma epidemia capaz de afastar as inspecções dos fascistas.
O autor, Jesús Sánchez Adalid, desenvolve esta narrativa com base em relatos verídicos e motivado por um assumido espírito de missão de divulgação de um passado que continua demasiado presente, oferecendo-nos um excelente apêndice histórico que ajuda a compreender a Roma de 1943, e prestando justa homenagem àqueles que desafiaram a barbárie e conservaram a esperança no meio da desolação, do medo e da angústia.
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