E eis que, com “MaddAddam” (Bertrand Editora, 2022), chega ao final uma das mais estranhas, inventivas e distópicas séries literárias, assinada por Margaret Atwood, uma das mais brilhantes e fundamentais autoras dos dias que correm. Uma experiência que, para ser perceptível e vivida na plenitude, deverá ser antecedida pela leitura de “Órix e Crex” e “O Ano do Dilúvio”.
Neste terceiro volume, num mundo pouco habitado após o fenómeno pandémico que ficou conhecido como o Dilúvio Seco, Atwood começa por oferecer um resumo da matéria dada, antes de nos brindar com uma frase que paira sobre toda esta trilogia: “Era espantosa a rapidez com que o passado se tornava idílico”.
No pequeno grupo de sobreviventes, Toby transforma-se na contadora de histórias oficial, relatando aos Filhos de Crex, espécie de humanóides gentis que herdará o planeta, a sua história e origem, numa constante reescrita do livro dos porquês que irá pôr em causa até o mais paciente dos seres.
Entre ronrons, muita cantoria e um peixe que insistem em servir-lhe cru, Toby vai adaptando a história humana ao universo destes seres, frutos de engenharia biológica, interrogando-se se Crex não terá tentado, no meio de toda a sua loucura, acabar com a “sádica maldade primária” dos humanos – acabando com os próprios humanos para começar.
Atwood cruza, na perfeição, uma narrativa plena de acção com um humor gourmet, a comoção com um olhar atento e corrosivo, o medo com a esperança, fazendo-nos reconhecer – entre uma inventividade tremenda – um mundo que insistimos em pôr à prova – e em risco. As pistas para a construção de um outro futuro estão lá, a começar pelo poder das histórias. Filosofia e muita subversão, numa trilogia que entra directamente para o melhor que a literatura nos ofereceu nos últimos anos.
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