“Matei a minha mulher“. Assim começa “Amor Estragado” (Bertrand Editora, 2023), de Ana Bárbara Pedrosa, que nos apresenta de forma pronta o seu teor prendendo-nos às páginas do livro. “Amor Estragado” expõe uma ferida aberta da sociedade, uma temática tantas vezes ocultada por medo e vergonha, à volta de uma família destruturada e disfuncional de Vizela, constituída pelos pais, pessoas de trabalho pouco dadas ao afecto, e por quatro irmãos rapazes: Bruno, Paulo, José e Manuel, o protagonista alcoólico e irmão mais velho.
Este livro conta-nos as várias fases das vidas destes irmãos, desde a sua infância até à idade adulta, e dá-nos a conhecer as consequências das suas escolhas. Cada qual com o seu feitio e vida, cada qual com a sua esposa e trauma. Se, por um lado, Manuel encarna a personagem principal, por outro sentimos que os seus três irmãos têm um papel fundamental, sendo também eles cúmplices do crime pelo seu silêncio gritante.
Manuel era o mais bonito dos irmãos, tendo pela frente um futuro que todos julgavam promissor, mas um copo nunca lhe matava a sede, tornando-se num vício que lhe destruiu a vida. A sua incapacidade de lidar com os traumas afogava-se em copos cheios, e trazia à tona o pior de si. Assistimos à sua decadência ao passar de cada página e sentimos, à medida que avançamos, a sua raiva e a perda de controlo a crescerem.
O alcoolismo de Manuel transforma-se rapidamente em violência doméstica. O “amor” de Manuel e Ema é regado a álcool e, do mesmo, brotam diversos problemas, que culminam da pior forma possível – com a morte de Ema, a mulher.
Assistimos ao pior do ser humano, à necessidade de controlo de Manuel para com a sua mulher, aos seus ataques de raiva, ao atirar de garrafas e objectos cortantes, ao desprezo, à violência física e psicológica, à atribuição constante de culpas e à desresponsabilização pelos seus actos.
Todavia, a escrita de Ana Bárbara contrasta com a temática da obra, impressionando pelo seu arrojo e tom, é genial, crua, impotente. A autora representa na perfeição este personagem sem grandes maneiras, avesso aos bons modos, detestável e asqueroso e sem respeito por si, pelo outro e especialmente pelas mulheres. Com muita asneira à mistura, “Amor Estragado” é extremamente duro, retratando um “amor” violento (ou a falta dele) como um murro no estômago, lendo-se com uma dor no peito e uma ânsia e uma dor na alma inexplicáveis.
“Amor Estragado” expõe uma realidade existente na nossa sociedade, de forma crua, porque a dor que sentem os envolvidos não é poética, especialmente para as Emas. E, tal como nos canta A Garota Não, “o tamanho da mini saia é inverso a essa cobardia, se não aguentas a mulher que tens é porque te fica em demasia. O tamanho do sorriso dela não precisa de autorização, a liberdade é um barco à vela e o amor não é uma prisão“.
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