Muitos são os livros, romanceados ou ilustrados, que nos falam de como atiramos a vida às urtigas, deixando-nos cercar por muros de betão enquanto, ao longe, a verdadeira natureza do ser por nós aguarda, esperando que um dia a ela regressemos como que recuperando uma infância perdida – ou, se quisermos, esquecida. Poucos, porém, o terão feito a partir de uma casa que “simplesmente ergueu-se do chão e levantou vôo.”
Resultado de uma parceria italo-portuguesa, “A casa que voou” (bruáa, 2015) mostra-nos a luta de um homem na tentativa de recuperar a sua casa voadora, recorrendo, primeiro, à Câmara Municipal, onde vai saltando de departamento em departamento, numa viagem que começa no Gabinete de Desastres Naturais e apenas termina no Gabinete de Facilitação e Segurança da Aviação Civil.
Farto da burocracia e da fria e despersonalizada máquina do empurra, o homem finalmente decide-se por uma perseguição de carro, que dura uma noite e um dia inteiro. E assim, sem que disso se dê conta, acaba por acordar num lugar especial dentro de si que há muito estava adormecido.
Davide Cali consegue, uma vez mais e com mestria poética, soltar a imaginação para falar de coisas que nos são comuns a todos, contando aqui com as ilustrações de Catarina Sobral, que estabelecem paralelismos com anteriores trabalhos seus: as pessoas e a forma como nos olham – e como olham o mundo – e se movimentam relembram “O meu avô”; os objectos do quotidiano e a forma colorida como nos apresenta a natureza transportam-nos para “A Sereia e os Gigantes”. Uma assinatura Sobraliana que faz com que, cada vez mais, nos sintamos ligados a este universo de traços e cores, e sobretudo à forma muito particular de Catarina Sobral desenhar o mundo. Uma parceria de luxo que resulta num dos mais belos livros ilustrados deste ano.
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