“É um akita, branco como um floco de neve. Coisa estranha em cães desta raça. Mas tanto faz, pois temo que não tenha resistido à viagem. Agora, parece mais um novelo de lã do que um cão. Foram quinhentos quilómetros com este frio. Se ainda estiver vivo, não acredito que passe desta noite.
O professor abriu a caixa que trazia o seu nome e direção, e viu que dentro dela, tal como Ibuki dizia, havia um novelo de akita que não era maior do que uma bola de pano. (…) Naquele momento, o cão levantou a cabeça e olhou fixamente para o professor, que se apercebeu de que ele era manso…”
É desta forma que começa o emocionante livro “Hachiko: O Cão que Esperava” (Fábula, 2022). Trata-se de uma história real que aconteceu em Shibuya, um bairro de Tóquio, entre os anos de 1924 e 1935. O professor Eisaburo Ueno mantinha as suas rotinas diárias: apanhar o comboio para ir dar as suas aulas e regressar a casa, ao final da tarde. Quando Hachiko entrou na sua vida, a rotina foi ligeiramente alterada. Algo especial aconteceu. O professor Ueno e Hachiko passaram a caminhar um ao lado do outro durante a semana. Pela manhã, dirigiam-se à estação para o professor apanhar o comboio e ir dar as suas aulas na Universidade; ao final do dia, quando o professor chegava à estação, lá estava Hachiko à sua espera e, juntos, regressavam a casa. Aos sábados o ritual repetia-se, desta vez para dar um passeio pelo parque Yoyogi ou pelos jardins de Chiyoda. Paulatinamente, tornaram-se amigos inseparáveis.
O leitor acompanha, de forma vagarosa, detalhada e repetitiva, a vida do professor e do seu cão: dos passeios, das cumplicidades, dos laços empáticos e afectivos que vão estabelecendo, não só entre si como também com outras personagens desta história real.
Um dia, a senhora Yaeko, a mulher do professor, recebe a notícia de que o professor se sentiu mal e foi levado para o hospital. O professor não resistiu a uma apoplexia, que sofreu enquanto proferia a conferência na Todai. Foi um dia triste, ainda mais triste para Hachiko, que ficou na estação à espera do professor, aí permanecendo por muito tempo. Durante este tempo de espera, em vão, o sofrimento de Hachiko toma conta da narrativa, mas também a gratidão e a admiração de várias pessoas por este cão tão fiel ao seu dono. “Hachiko passou dez anos à sua espera. Todos os dias à mesma hora se punha na praça da estação para o ver sair do comboio. Os habitantes do bairro encomendaram ao escultor Teru Ando uma estátua, que foi inaugurada em 1934. Hachiko assistiu à inauguração e morreu a oito de março de 1935, devido a uma doença chamada filariose, na mesma praça, à espera do professor Ueno”.
Ao longo do livro, o leitor é agradavelmente surpreendido por belíssimas aguarelas que ilustram momentos desta peculiar amizade infinita entre um cão e o seu dono. O ritmo lento e a morosidade da acção reforçam a intensidade dos acontecimentos reais, verídicos e comoventes. Nesta lentidão, encontramos a essência da lealdade, da amizade e da beleza das pequenas coisas, reavendo a importância da contemplação, do rústico, da voluptuosidade e do respeito pelo tempo.
“E agora, querida leitora, estimado leitor, nada nos agradaria mais do que ter ajudado a transmitir a emoção da história de Hachiko”. Sem dúvida um livro de afetos.
Lluís Prats (Terrassa, Catalunha, 1966) estudou História da Arte e Arqueologia na Universidade Autónoma de Barcelona e na Universidade de Girona e, durante alguns anos, dedicou-se à investigação e à docência. Trabalhou como professor do ensino básico e secundário, como editor de livros de arte e como produtor de cinema em Los Angeles, nos Estados Unidos da América. Autor premiado e reconhecido pela crítica, escreveu livros de géneros muito diversos: ensaios, livros de arte, romances infantis e juvenis, traduzidos para várias línguas, e livros históricos. A edição original, catalã, de “Hachiko: O Cão que Esperava”, recebeu o prémio literário Josep M. Folch i Torres, e a edição italiana recebeu o importante Prémio Strega Ragazze e Ragazzi +6, na Feira do Livro de Bolonha.
Zuzanna Celej (Lódz, Polónia, 1982) viveu desde pequena em Barcelona e Girona. Licenciada em Fotografia e Gravura pela Universidade de Barcelona, estudou Ilustração na Escola de Arte e Desenho Llotja. Trabalhou nas áreas da fotografia artística, da pintura e da gravura, e realizou cartazes publicitários, gráficos para moda e pinturas murais. Actualmente dedica-se sobretudo ao mundo editorial. A sua obra já foi exposta em Espanha, França, Inglaterra, Polónia e Estados Unidos. Combina projectos de ilustração com a docência; orienta cursos de artes plásticas em diversos centros culturais e no seu estúdio, e oficinas de mestrado em escolas de arte.
Artur Guerra traduziu este livro tão emocionante.
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