“Eu abria para o mestre e sua esposa meus inverosímeis planos futuros: pretendia ser professor de matemática. Senti apoio nos olhares […] Não conheciam a que altura imponderável eu elevava meus planos, seria difícil estudar e trabalhar em outra cidade, meus pais não tinham recursos e na verdade, desde sempre, era eu quem ajudava na casa com meus poucos ganhos. Planejava um castelo de cartas suspenso nos ares.”
Celso Costa, nascido em 1949 no interior do estado brasileiro do Paraná, tem muito em comum com o narrador de “A Arte de Driblar Destinos” (Leya, 2023): ambos provêm de um meio rural desfavorecido e lutaram para aceder a oportunidades educativas que lhes permitissem chegar mais longe do que os seus pais e avós.
A obra, distinguida com o Prémio LeYa 2022, é o primeiro romance do autor, sucedendo-se a um livro intitulado “A Vida Misteriosa dos Matemáticos”. Note-se que o próprio é um matemático reputado, especializado em Geometria Diferencial, cuja investigação de doutoramento, apresentada em 1982, resolveu um problema com 206 anos. Não surpreende, portanto, que a Matemática seja também uma paixão deste seu protagonista, de quem vamos conhecendo episódios de infância e juventude através de capítulos curtos, repletos de personagens pícaras, incluindo saltimbancos, curandeiros, um coveiro pitoresco e um delegado violento. Mas a violência maior – mau grado as suas manifestações por acção humana, às vezes até de figuras insuspeitas da família do pequeno e do seu círculo mais próximo – é a constituída pelo espectro da pobreza, sempre pronta a condicionar futuros, sobretudo quando, a par de pais que sonham com “um destino de doutor” para o filho e de professores que o apoiam, há uma avó que não hesita em cercear as aspirações do neto: “Menino, não é de bom feitio cultivar desejo que não pode ser satisfeito”.
Numa saga familiar marcada pelos desatinos do pai, as mudanças de casa e de vida ocorrem entre lugares de toponímia curiosa, descritos com grande pormenor e vivacidade: destaca-se uma pequena cidade chamada Cinzas, bem como uma fazenda no sertão do Ribeirão do Engano. Dividindo-se entre a escola, a lavoura e trabalhos ocasionais que chegam a pôr em risco a sua integridade física, o percurso de amadurecimento do protagonista, exposto num registo autobiográfico, é uma história de superação que anima a esperança no potencial da educação enquanto motor do progresso pessoal e social.
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