É de França que nos chega “Rio” (Asa, 2020+2021), uma mini-série em 4 volumes com o selo das Edições Asa, que contou com distribuição nacional do jornal Público e que permanece disponível nas livrarias – série que, curiosamente, nunca chegou ao Brasil.
Uma espécie de visita guiada à Favela Beija-Flor, conduzida pelo casal Louise Garcia e Corentin Rouge, que chega no formato clássico da BD franco-belga, mostrando-nos a vida nas pequenas ruelas desta favela – ou o ambiente menos idílico do Rio de Janeiro, retratando o tráfico de droga, a prostituição, o espírito mercantil das ONG`s e favelas dirigidas por quadrilhas armadas. Um pouco ao estilo da Cidade de Deus de Fernando Meirelles, mas com um pouco mais de negrume.
Rúben e Nina nasceram numa das maiores favelas do Rio de Janeiro, tendo ficado entregues a si próprios no dia em que a mãe foi assassinada por Jonas, um polícia corrupto de quem era informadora e amante. Acolhidos por Bakar, um rapaz que vive de expedientes vários, acabam por se juntar ao seu gangue. Entre a pobreza e a violência, a única saída parecem ser as falcatruas que se vêem forçados a inventar todos os dias para sobreviver. Até que surge uma alternativa inesperada: a sua adopção por uma família rica.
“Rio” poderá ser arrumado, caso a organização da livraria pessoal ou alheia o permita, na estante dedicada à BD política, à boleia de várias mensagens e imagens fortes. Uma delas é a de que, para praticamente todas estas crianças faveladas, será impossível ultrapassar uma existência condenada a uma vida de pobreza e criminalidade.
Ainda assim, as várias camadas éticas, morais e a vontade de mudança estão bem vincadas e em oposição entre várias das personagens. Encontramos isso em Rúben e em Nina, na forma como reagem à adopção, mas é com as figuras de Bakar e Rato que descobrimos diferentes posturas para uma mesma caminhada de vida. Rato parece ter uma malícia em estado bruto, que será perpetuada e alimentada ao longo do tempo; Bakar, por outro lado, parece encontrar sempre uma certa alegria de viver e um sentido altruísta, não desistindo do sonho de encontrar um futuro melhor.
A corrupção é outro dos grandes alvos, aqui servida de forma algo extremada, com os Estados Unidos e a ONU à mistura, servindo as organizações não governamentais como camuflagem para uma série de esquemas ilícitos. A questão policial é um dos grandes motores do livro, que recupera aqui a chacina da Candelária, nome por que ficou conhecido o episódio ocorrido na noite de 23 de Julho de 1993, que vitimou mortalmente 8 jovens entre os 11 e os 19 anos.
A vida na favela surge aqui como brutal, violenta, pobre e crua, onde a vida do semelhante vale muito pouco. O universo é um pouco ao estilo da “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles, da “Tropa de Elite”, de Jose Padilha, ou de “Morro da Favela”, a novela gráfica de André Diniz, a que se junta também uma aura mística e sobrenatural.
As ilustrações realistas, de traço bem definido e cores expressivas, transportam-nos para o universo da BD franco-belga. Copacabana, o Pão de Açúcar e o carnaval brasileiro são aqui retratados de forma sublime, permitindo-nos uma visita ao Rio de Janeiro sem ter de pagar uma passagem de avião. Filho de ilustrador sabe desenhar.
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Louise Garcia nasceu em Niterói, no estado do Rio de Janeiro, Brasil, em 1983. Cresceu na cidade do Rio de Janeiro, onde fez toda a sua escolaridade num liceu internacional francês. Depois de estudos universitários em Arte, trabalhou em estabelecimentos públicos culturais brasileiros, após o que se instalou em França.
Corentin Rouge nasceu em Paris, em 1983. Filho de Michel Rouge, um artista de banda desenhada, o seu nome inspira-se no famoso herói de banda desenhada criado por Cuvelier. Licenciou-se em Animação e Cinema na Academia de Artes Decorativas de Paris, em 2006. Aprendeu os rudimentos da banda desenhada com o seu pai, com quem colaborou na passagem à cor da série Shimon de Samaria/Le Samaritain, entre 2004 e 2008, tendo entretanto publicado a sua primeira história de banda desenhada na revista Métal Hurlant, em 2004. A série policial Milan K., cujo primeiro volume foi nomeado em Angoulême, marcou a sua estreia na publicação de álbuns de banda desenhada.
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