Na vasta cidade de Londres, pouco mais de um quilómetro de distância separa dois mundos diferentes: um contém habitações luxuosas, cafés bonitos, avenidas limpas e arborizadas; no outro, alinham-se casas com alarmes partidos e jardins cobertos de ervas daninhas e detritos de obras, em ruas pontilhadas por lojas de telemóveis, casas de câmbio e restaurantes de kebabs. Curiosamente – ou talvez não –, é numa creche insuspeita que estes dois mundos se cruzam, em “As Outras Mães” (Topseller, 2023).
Uma das protagonistas, Natasha James – Tash para os amigos –, é uma personagem destinada a despertar a empatia de muitas leitoras, sobretudo daquelas para quem é complicado conciliar a maternidade com um emprego. Dois anos depois de ter abandonado o seu posto na redacção de um jornal para cuidar do filho bebé, Tash tenta regressar ao activo, mas sente-se sempre “exausta e maltrapilha”, não conseguindo deixar de pensar que está a fazer tudo mal, nem de dirigir um ligeiro ressentimento ao marido, que pode dedicar-se à carreira, enquanto ela se ocupa da maior parte do trabalho não remunerado que há a executar em casa.
Quando inscreve o filho numa creche e decide estimular o convívio dele com outras crianças, Tash entra em contacto com as respectivas mães. Acreditando que a experiência da maternidade gera compreensão mútua entre as mulheres, não se surpreende demasiado quando é convidada a juntar-se ao trio que ocupa o topo da hierarquia social, reunida aos portões da instituição. Entre dias de spa, brunches caríssimos e uma miríade de outras despesas, acompanhar o grupo implica um estilo de vida que Tash não pode sustentar por muito tempo, mas toda a experiência torna-se viciante. Para mais, a tentativa de regresso ao jornalismo passa pela investigação da estranha morte da jovem ama interna de uma das suas novas companheiras – uma missão que a leva a descobrir factos divergentes das conclusões do inquérito policial e a deparar-se com ameaças anónimas.
A ama, Sophie Blake, é a segunda protagonista da história, sendo-nos apresentada também a sua perspectiva da realidade, com o devido desfasamento cronológico em relação à de Tash e em contagem decrescente para o momento da sua morte. Esta dupla visão enriquece a composição das personagens – sendo muito apreciável a capacidade da autora, Katherine Fraulkner, para fugir a estereótipos, como o da madrasta rica e fútil, ou o da jovem ama boa e ingénua – além de adicionar outra dimensão à teia densa de mentiras e segredos em que todos se enredam.
A intriga criminal, habilmente intrincada, guarda mistérios até perto do final, quando as revelações se sucedem a um ritmo frenético e os acontecimentos impõem a Tash decisões difíceis, que a confrontam com ainda mais segredos, numa narrativa cativante onde também podemos encontrar uma análise sociológica da forma como o dinheiro influencia a vivência da maternidade.
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