“…olhar de mulher viajante, salta-pocinhas, aventureira em cata dos encantos do globo terrestre”. As palavras são de Onésimo Teotónio Almeida no lançamento de “Palavras Nómadas” (Edições Húmus, 2023), referindo-se, de forma elogiosa, à viajante Dora Gago.
Uma viajante que, dotada de um poder de observação ao bom estilo de uma super-heroína, transporta os seus livros e autores preferidos para diferentes coordenadas geográficas, criando pelo caminho uma autobiografia literária, pessoal e solitária que atravessa os tempos de pandemia – e que é, também, um retrato social e cultural capaz de construir pontes com territórios distantes.
“Saberei também que a solidão é feita de um aço frio, afiado, que ceifa os dias como se fossem searas”. Uma solidão que, ainda assim, não a impede de interagir com o meio envolvente, quase sempre no papel de ouvinte, juntando a tudo isto um tremendo sentido de desorientação que, tal como nos melhores personagens de Tati, mostra ter “uma certa queda para o desastre” – e situações com muita comédia à mistura. Como, por exemplo, a estranha vivência em Macau, entre pratos servidos com cabeças de animais por falta de vocabulário ou acabar a morar numa casa onde continuava a chover muito tempo depois de ter parado lá fora.
Um livro feito de micro-textos, contos que se lêem como postais ilustrados, onde viajamos até à “hermética gaiola” de Macau em tempos de confinamento à séria, partilhamos as agruras das mulheres viajantes, sentimos “a alienação, as vidas jogadas, perdidas, os desesperos, as tensões, o vício a corroer como uma ferrugem” dos casinos mas, sobretudo, desorientamo-nos ao lado desta intrépida viajante, que reiventou Descartes à sua própria imagem: “Perco-me, logo existo”.
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