É, poeticamente falando, um título artisticamente desnudado, a meio caminho entre uma pintura erótica e uma aula de anatomia. “A Axila de Egon Schiele” (Porto Editora, 2022 – reimpressão), livro que integra a colecção elogio da sombra – coordenada por Valter Hugo Mãe -, reúne a poesia de André Tecedeiro escrita entre os anos de 2014 e 2020, anteriormente publicada em livros e antologias diversas.
A escrita urgente de André Tecedeiro não regateia suportes, surgindo rabiscada em “bilhetes de autocarro,/ guardanapos quase translúcidos,/ versos de sobrescritos,/ pacotes de pastilha elástica”, mas isto sem que o leitor se tenha de preocupar com “a ilegibilidade da letra” destes humildes registos da memória.
É uma poesia que lida, de forma contundente mas sempre com uma sensibilidade extrema, com o corpo e todas as suas inquietações, angústias e desejos de reinvenção, descendo, como o intrépido Jules Verne, ao centro da Terra existencial – ou, estendendo a metáfora Vernesiana ao meio aquático, à distância de 20000 léguas submarinas.
Nesta viagem de 6 anos, viajamos de autocarro e passeamos por estações de metro, onde há pedintes e sem-abrigo; agarramos as coisas por dentro, como se segurássemos numa bola de bowling; visitamos uma biblioteca feita de “torres caídas”; choramos “…pelas pessoas árvore/ em vasos pequenos demais”.
Uma viagem de auto-descoberta e de transformação que, a dado momento, se liberta por fim da escravatura: “Era o fim/ Rendo-me,/ gritei sem saber a quem./ […]/ Avancei de braços ao alto./ Quem me esperava era a liberdade.”.
Algures, perto do fim, há lugar para uma conversa entre André Tecedeiro e Laura Falé, sobre andar a pé, limites e fronteiras, recolher objectos do chão, conhecer a paisagem e o corpo de uma cidade, abraçar o tédio e a solidão – mas também a adaptabilidade e a mudança -, tudo enquanto se emoldura, em lugar de destaque, uma foto de John Lennon e de Yoko Ono. Por detrás de uma aparência simples, estes poemas escondem uma escadaria que convida a um mergulho a grande profundidade.
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