Todas as danças começam com pelo menos um ensaio, e esta valsa mortífera não é excepção. Em “Uma Valsa com a Morte” (Companhia das Letras, 2023), aceitamos dançar uma valsa que nos conduz, de forma leve mas firme, pela vida e pela morte. João Tordo desafia-nos a dar passos mais ousados e orienta-nos o olhar para ínfimas questões metafísicas e mundanas, que toldam o pensamento humano. A morte, a velha professora rígida que nos corrige a postura, teima em dançar ao nosso lado, abrindo um caminho para uma compreensão e aceitação do nosso fim, do nosso inexorável destino.
João Tordo homenageia a sua avó Dadá, que aceitou aos 100 anos dançar com a morte. Sentimos, no nosso ínfimo – lemos nas entrelinhas -, que esta obra serviu de consolo ao autor, que o ajudou a fazer o luto e a não pensar na perda. Ao misturar, numa pista de dança, acordes alegres e dramáticos, apresenta-nos uma nova versão das “Quatro Estações” de Vivaldi, composição imortal.
E não necessitamos de ser da opinião de João Tordo para perceber a genialidade desta obra, que procura no início fugir à morte – embora a mesma esteja sempre omnipresente. Começamos a ler este ensaio com alguma apreensão, por desconhecermos este registo do autor, mas cedemos rapidamente e aceitamos ser conduzidos nesta valsa, sem medos. Uma dança que rodopia em volta das mais diversas questões, sem no entanto nos deixar tontos ou perdidos. Exploramos as relações humanas e a relação dos humanos com a religião e a espiritualidade, a forma como o medo determina as nossas acções, como o optimismo nos faz guardar as mágoas numa gaveta e a melancolia, por vezes, nos desequilibra.
Profunda e melancólica, assim o é a escrita desta obra transparente e sublime, que nos abre uma porta para a vida de João Tordo, para as suas crenças, os seus gostos, as superações, os medos, a avó. No final desta valsa intensa, ecoa uma frase: “Não é o medo da Morte uma expressão de vida?“. Encontrarão a resposta depois de 216 passos de dança.
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