Ask me, ask me, ask me
Ask me, ask me, ask me
Because if it’s not love
Then it’s the bomb, the bomb, the bomb
The bomb, the bomb, the bomb, the bomb
Will bring us together
Estes versos foram sacados a “Ask”, essa enorme canção dos The Smiths. Curiosamente, toda a sua ironia está expressa no título desse disco: “The World Won`t Listen”. Uma ideia muito presente em “A Bomba” (Gradiva, 2022), uma monumental banda desenhada servida em dois volumes, que nos conta a história da criação da bomba atómica e de uma das maiores tragédias – e crimes – humanas de que há memória.
Uma história que nos é contada, na primeira pessoa, de forma muito original: “Fui baptizado em 1789. Chamaram-me Urânio, ao que parece, como referência a um planeta descoberto pouco antes. (…) Intuía que as curiosas criaturas em posição vertical seriam, um dia, o instrumento do meu destino”.
Com guião de Didier Alcante e L.F. Bollée e desenhos de Denis Rodier, esta enorme viagem vai das minas de urânio do Katanga ao Japão, com paragens em países como Alemanha, Inglaterra, Noruega, URSS e, claro, Estados Unidos da América. Ao mesmo tempo que se recordam todos os passos que levaram à criação da bomba atómica – e todos os seus protagonistas -, há igualmente um retrato das muitas maquinações políticas, do percurso da guerra ou do progresso da física, num livro-memória obrigatório para velhas e novas gerações.
Por falar em Física, o primeiro momento de relevo dá-se com a atribuição do Nobel a Enrico Fermi, pela “demonstração da existência de novos elementos radioactivos produzidos pela irradiação de neutrões e da descoberta de reacções nucleares provocada por neutrões lentos”. Estava aberta a caixa de Pandora e, aquilo que começa por ser uma tentativa – ingénua, talvez – de equilibrar a balança da II Guerra a favor dos bons, veio a transformar-se numa arma política, usada pelo governo americano – mais concretamente pelo General Groves e o seu projecto Manhattan – num dos dias mais negros da história humana: 6 de Agosto de 1945.
No posfácio, Didier Alcante fala da faísca inicial que o levou a esta obra monumental, e que surgiu na sua (ainda) infância. “A sombra que no dia 6 de Agosto de 1945, às 8h15, ficou marcada nas escadas do banco Sumitomo. Descobri-a em Janeiro de 1982, quando tinha apenas onze anos, e penso que me assombrará até ao fim dos meus dias”. Apenas a sombra de uma pessoa, fixada para sempre como uma fotografia, relembrando “o jogo da morte, miserável ou sublime, cruel ou desejado, individual ou em massa” que se joga em todas as guerras. Para o final, fica no ar a assustadora pergunta lançada por Urânio: “Acreditam que a minha história terminou? E se estiver apenas a começar?”. O livro de uma vida, de leitura obrigatória.
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