Para aqueles que defendem que um bom livro pode ser acompanhado por uma boa música, “Os Flamingos Também Sonham” (Casa das Letras, 2023) é um perfeito exemplar disso mesmo.
Miguel Jesus, além de primar pela escrita, é também músico. Em determinadas passagens, o autor colocou códigos QR que “reencaminham” para as suas músicas, o que faz verdadeiramente deste livro “um romance para ler e ouvir”. Trata-se de uma boa surpresa: um livro profundo, que nos leva ao âmago das personagens, paulatinamente bem construídas.
Na obra, onde as interessantes personagens são “flamingos” (refugiando-se num ambiente resguardado para se manterem longe de predadores e, quiçá, também do seu passado), cada capítulo corresponde à perspectiva de cada uma destas personagens, o que permite partir numa viagem de descoberta pelo seu passado e presente.
No “presente”, um jackpot da lotaria desestabiliza a localidade de Dunlochry, bem como a sua população. Foram dois os vencedores do primeiro prémio, e nem um aparece para reclamar a quantia que lhe pertence, para enfurecimento dos moradores locais que defendem que os vencedores deviam ajudar a mitigar as dificuldades da aldeia.
Apenas Dylan – que trilha o seu caminho entre o pântano do seu passado – sabe quem são os vencedores, mas, moralmente – e mesmo entre as maiores pressões -, vê-se obrigado a recusar divulgar essa informação.
Até ao “Dia da Revelação” (dia final para os vencedores reclamarem o prémio), muito acontece em Dunlochry e a Dylan, que se vai cruzando com personagens como o enigmático Arthur, a estranha Kathryn e a repórter “refugiada” Elena.
A história é interessante, e o desejo de chegar ao final não assim tão imperioso, tendo em conta que este é refreado pela fruição do que se está a ler, entre temas como o amor, o medo ou a redenção. O final pode tornar-se, no entanto, sum pouco previsível, o que em nada retira a mestria com que Miguel Jesus conduz a trama, fazendo com que cada página seja uma oportunidade de degustação.
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