“Somos ambos cariocas mas nascemos na cidade errada.” As palavras são de Ruy Castro, referindo-se a ele próprio e também a Nelson Motta (na foto), companheiros da mesa FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos que pretendia falar do fascínio que o Rio de Janeiro tem exercido sobre muitos brasileiros que, tendo nascido noutras cidades, o adoptaram como “o coração do meu Brasil” (aqui a expressão bem cantada pertenceu a Motta).
Pedro Rosa Mendes, que teve o papel de moderador, lançou a ideia de que o povo carioca – e o brasileiro em geral – não se dá definitivamente bem com o tempo presente da sua cidade: antes é que era bom, ouve-se a toda a hora ou, em alternativa, um mais futurista agora é que vai ser. Nelson Motta preferiu falar da cidade como a de um amor para a vida, alguém que, por muitas asneiras que faça ou facadas que dê nunca vê o sol aos quadradinhos: “Ela trai a gente, ela engana, mas é tão sedutora que a gente perdoa sempre.” Já Ruy Castro recordou os seus anos de emigração fazendo ecoar uma risada geral: “Passei 19 anos no estrangeiro. 3 em Lisboa e 16 em São Paulo.”
São Paulo e Rio de Janeiro que, ainda mais ferozmente do que Porto e Lisboa, são capazes de gerar insultos, agressões e piadas entre si, como se fosse impossível uma coexistência pacífica entre ambas (ou amar as duas mesmo que em doses diferenciadas).
E, se na actualidade o futebol hoje em dia deixou de ser encarado como uma paixão conjunta – muito graças ao facto de a selecção brasileira se ter tornado um passeio das estrelas -, o que une hoje em dia o povo brasileiro? Para Nelson Motta não há qualquer dúvida: “o horror ao governo.”
Chegámos então à cereja que adornou esta sobremesa brasileira: a biografia alheia que, no caso destas duas figuras da cultura brasileira, tem sido motivo para a edição de alguns dos mais recomendados livros editados em português cantado: no caso de Ruy Castro há, por exemplo, Garricha – esse grande jogador que morreu praticamente de garrafa na mão – ou Nelson Rodrigues – um dos maiores, se não o maior, da literatura brasileira; quanto a Nelson Motta, lançou entre outras a biografia de uma das maiores e mais irreverentes figuras da música brasileira – Tim Maia.
Ruy Castro elegeu, como critérios para a escolha de um biografado, o seu lado trágico e dramático, defendendo que uma personagem como Tom Jobim, por exemplo, daria uma biografia desinteressante: “o único problema que teve foi pagar o aluguel.” Outro critério será ter pela pessoa uma grande admiração, o que fará com que se seja mais severo e detectivesco na procura dos seus defeitos.
Nelson Motta escolhe os seus biografados pelo imenso amor e admiração que tem por eles. Sobre a biografia de Tim Maia, que muitos consideram ser o seu maior legado ao mundo, disse que muitas vezes se riu sozinho durante o processo de escrita, uma vez que a vida de Tim Maia foi marcada pelo excesso a todos os níveis, que o próprio tratava de anunciar publicamente a todos aqueles que lhe dessem atenção. Para Motta, os tempos de hoje são definitivamente outros, considerando que a sociedade brasileira não aceitaria, se fosse hoje, outro Tim Maia.
Discutiram-se também ditaduras, ambos considerando que Portugal teve a pior das duas, sendo que o Brasil e a música brasileira foram quase sempre palco da democracia social, juntando raças e credos (ok, talvez não paulistas e cariocas). À pergunta vinda do público sobre quem gostaria que fosse o seu biógrafo, Ruy Castro fechou a mesa com chave de ouro: “Só por cima do meu cadáver. Biografia de vivo não é confiável.”
Discutiram-se também ditaduras, ambos considerando que Portugal teve a pior das duas, sendo que o Brasil e a música brasileira foram quase sempre palco da democracia social, juntando raças e credos (ok, talvez não paulistas e cariocas). À pergunta vinda do público sobre quem gostaria que fosse o seu biógrafo, Ruy Castro fechou a mesa com chave de ouro: “Só por cima do meu cadáver. Biografia de vivo não é confiável.”
Sem Comentários