Uma conversa que pode seguir todos os caminhos. Foi esta a linha condutora por que se regeu a única mesa do FOLIO – Festival Internacional Literário de Óbidos que, à partida, não se sujeitava a temas compartimentados, ainda que o humor fosse a matéria-prima para todo o tipo de desvarios.
Moderada por Nuno Artur Silva, a mesa contou com dois dos nomes maiores do humor escrito em português, ainda que estejam separados por mais de uma geração. Do lado mais soalheiro do Atlântico, Luís Fernando Veríssimo; do lado de cá, Ricardo Araújo Pereira.
“Porque é que decidiu tocar saxofone?”, perguntou Nuno Artur Silva a Fernando Veríssimo que, tal qual Humphrey Boggart em Casablanca, disse ter sido muito bem enganado. Uma desorientação que Veríssimo quis estender à sessão, brincando que vinha preparado para uma discussão em torno da Gastronomia – “um assunto muito dado à mariquice” segundo RAP -, tema que foi recorrente na intervenção dos dois humoristas. A certa altura, Ricardo sugeriu que deveriam deglutir Veríssimo de modo a receberem a sua sapiência, ao que este declinou com a justificação de que a carne estava já longe de ser tenra.
Os caminhos percorridos foram de facto vários, ainda que a conversa tenha girado à volta de questões como estas: será o humor uma questão de dom? Poderá este ser uma arma de transformação do mundo e da sociedade? Será o riso uma forma de desafiar a morte? Quais os limites do humor? Há diferenças entre o humor brasileiro e português?
Para Veríssimo, ele que se tonou um humorista da palavra escrita e não da performance, “o humor é uma forma de tornar o texto paladar” – outra vez a gastronomia. O humorista até se afirmou como alguém depressivo, tendo descoberto a sua vocação para lá dos trinta através do refinamento da técnica.
“A história do dom enerva-me“, reagiu RAP, ao mesmo tempo que se definiu como um tipo que escreve piadas e que, há algum tempo atrás, quis provar que conseguia, ao contrário de Sade, provocar convulsões nas pessoas sem ter de as tocar fisicamente.
O humor é também o território do desafio, uma forma de enfrentar a inevitabilidade da morte e, se possível, adiá-la. “Sabem qual é o epitáfio de um hipocondríaco?“, atirou Veríssimo. “Eu não disse?“. Não há como fugir a isto: “A morte é a maior piada de todas.“
Num mundo onde é cada vez mais ténue a linha entre a comédia e a tragédia, como definir os limites do humor (se é que os existem)? Se para Veríssimo a linha que não deve ser pisada é a do desrespeito gratuito, RAP não encontra muitas razões para que sejam feitas concessões (a não ser a morte de um filho, algo ilustrado através do mito grego do nascimento das estações). Afinal, “há sempre qualquer coisa sagrada para as pessoas.“
A conversa animou – ou pelo menos tornou-se mais actual e pertinente – quando se levantou a hipótese de o humor ter o poder de interferir na política, agindo como um agente de mudança. Se do lado de Veríssimo ainda se falou do humor como uma ferramenta poderosa, RAP disse não estar no humor para ser imparcial, por um lado, ou para derrubar o governo, por outro, recusando a ideia do humorista-activista. Ele que, diga-se, é assumidamente de esquerda.
E haverão diferenças entre o humor brasileiro e o humor português? Claro que sim, basta citar a célebre e imutável frase de Agostinho da Silva que, segundo Veríssimo, justificará o lado mais cinzento e acabrunhado do português face ao brasileiro: “O brasileiro é o português à solta“. Chegava ao fim a mesa mais concorrida do FOLIO.
2 Commentários
Solarengo? Não será soalheiro. Grato
É pois, grato 😉