Nesta que foi a 11ª Noite da Literatura Europeia (NLE), que decorreu no dia 3 de Junho, a EUNIC preparou não apenas uma peregrinação literária mas uma verdadeira caça ao tesouro pelo livro europeu, numa edição que abriu com uma novidade: a Feira do Livro Europeu, em pleno Largo do Intendente.
Numa caça que se relevou bastante sensorial, bastou começar a visita pela Grécia ou, mais propriamente, pela Vida Portuguesa, para nos sentirmos inundados pelos perfumes dos mais agradáveis sabonetes portugueses. Entre sabonetes e sardinhas em lata escutámos Efthimios Angelakis, que interpretou «Olya. Dois invernos e uma primavera», da autoria de Vassilis Papadopoulos. Os dramas de guerra, as injustiças e a luta contra a miséria humana não se encontrariam só aqui, nas palavras gregas, e isso percebia-se pelas sinopses disponíveis no catálogo do evento, demonstrando que, por mais um ano, as duras temáticas da actualidade pautariam muitas das interpretações desta noite. Ainda assim, continuamos a destacar o périplo sensorial a que tivemos direito nesta noite.
Com o nariz ainda inebriado subimos ao pátio da Junta de Freguesia de Arroios, para logo sermos atacados pelo cheiro acre a bacalhau – ou não fosse esta uma leitura dos textos da Estónia pela mão de Indrek & Eva Koff, um casal apaixonado por Portugal, interpretados teatralmente por Miguel Loureiro, como vem sendo habitual.
Ao regressarmos ao Largo, ainda pudemos espreitar a interpretação de Carolina David que, de portas abertas, tinha casa cheia para a narrativa do Luxemburgo. Algumas portas acima, uma cerveja bem fresca chamou por nós para ganharmos fôlego e irmos até à Galeria Foco ouvir «A vida das Plantas», a obra de Emanuele Coccia que Jacqueline Corado, muito bem integrada no cenário enorme de um tríptico de tapeçaria com motivos florais, lia com entusiasmo, falando aos leitores sobre a importância das plantas, constantemente votadas ao esquecimento ou olhadas apenas como paisagem.
Calcorreando as ruas do Intendente, localização que recebe pela primeira vez este evento, partimos para o próximo foco de leituras, agregadas em diversos espaços do Mercado do Forno do Tijolo, mais recentemente conhecido como Mercado das Culturas. Entrámos ao segundo toque na aula que decorria no Bio.Lab, conduzida por Sofia de Portugal que, de bata branca (só lhe faltava mesmo o ponteiro), ensinava as lições de Judith Schalansky retiradas de «O Pescoço da Girafa», que habilmente cruzava com a narrativa das plantas.
Considerando ter já acumulado matéria suficiente para estudo, foi tempo de rumar à biblioteca, para numa poltrona usufruir das leituras de Inês Lapa do livro de Claire Keegan, «Pequenas coisas como estás».
Terminámos por aqui as lições e partimos em busca de divertimento. Desta vez, Portugal tinha uma obra em destaque muito fora do que vinha sendo habitual, no que prometia ser uma sessão divertida com a presença do autor, Miguel Montenegro, e também de Sandra Celas, para darem voz aos «Psicopatos» – uma série de tiras humorísticas sobre um mundo de patos, ou melhor, um mundo de loucos, onde quem tem juízo é pato.
Subimos mais umas ruas até darmos com o Passevite, um colectivo com espaço de galeria e bar que muito gostámos de conhecer, mergulhando entre «A revolta dos animais marinhos», naquele que foi o melhor cenário criado para as leituras e interpretações desta edição da NLE.
Cheila Lima dava voz às palavras de Marie Gamillscheg (Áustria), por entre hipnotizantes medusas que iluminavam a escuridão propositada, enclausurando ainda mais as preocupações da protagonista.
Após tal cenário, que contou com o acolhimento agradável pelo staff no Passevite, foi tempo de rumar ao Palácio Visconde, para logo percebermos que o ambiente voltaria a mudar. O requinte e o luxo, tanto do lounge como dos jardins, recebiam as leituras da Hungria e da Roménia. A opção recaiu nos poemas musicados de Otilia Dor, mas o ar fresco fez-nos procurar abrigo, atravessando a estrada em direcção à Fábrica da Negrita Cafés.
Aí fomos recebidos pelo odor inebriante a café e, sentados nas serapilheiras cheias de grãos, escutámos Ligia Cruz que, interpretando «Olhos de Loba», de Markéta Pilátová, afirmava que “a nossa visão da vida muda a cada sete anos, mas que existem feridas que não podem ser cicatrizadas”, num regresso à temática da Guerra e às preocupações com as condições adversas que se sentem em tantos lugares do mundo.
Ao chegarmos à recta final desta caminhada pelo maior serão literário do ano, faltava ainda optar entre Finlândia, Polónia, Espanha e Itália. Saiu vencedora a Itália, pois sabíamos contar com um elemento extra: os desenhos de Filipe Andrade. Mas, também, porque a obra de Elena Medel, «As Maravilhas», já nos era familiar.
Encerrámos a noite a apreciar os desenhos expostos na sala, escutando mais um capítulo de «O Comboio das Crianças», lido primeiramente pela autora, Viola Ardone, e seguidamente em português por Rita Brütt, enquanto o desenho ganhava vida e ilustrava a cena em questão.
Em 2024, o serão literário organizado pela EUNIC fará doze anos. Por aqui, cruzamos os dedos cruzados para que – finalmente! – se chegue mais ao Tejo e vá mais longe: tanto nos espaços como nos cenários para cada leitura, mantendo o que de melhor tem o evento, inovando e reservando surpresas a cada ano.
Créditos Fotográficos: © Carlos Porfírio, Puro Conceito
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