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Cave Story | “Wide Wall, Tree Tall”

Por Nuno Camões · Em 08/05/2023

Que significado tem a etiqueta indie neste ano da graça de 2023? Uma rápida pesquisa na ubíqua rede devolve-nos, de imediato, uma definição (no sítio WikiHow.com): «Ser indie relaciona-se com uma auto-representação que dá destaque à singularidade. É mais do que a roupa que se veste e a música que se ouve: é uma cultura e uma maneira de pensar». Os Cave Story, banda das Caldas da Rainha, personificam de certa forma essa postura indie: numa época de fronteiras musicais esbatidas e fragmentadas, a sua música é o estandarte de uma identidade artística vincada, independente e original.

Construir uma tal identidade no nosso pequeno país não é um exercício fácil. Em entrevista recente, o vocalista afirmava, brincando: «Até desistirmos, estamos no bom caminho». Falava da dificuldade em construir uma carreira musical minimamente sustentável e protegida em Portugal, sobretudo nas franjas do mainstream. Seja como for, contra ventos e marés, os Cave Story têm vindo a criar, paulatinamente, uma carreira de valor, sem comprometerem a personalidade musical.

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Surgiram nos radares em 2013, à boleia do EP Demos, e ganharam um relevo acrescido graças ao bem-sucedido álbum Punk Academics, um tratado de post-punk que assomou em muitas listas de melhores discos portugueses de 2018. Volvidos cinco anos — com um EP pelo meio, chamado The Town, em 2021 —, surge agora o novo Wide Wall, Tree Tall (Cave Story, 2023), gravado em grande parte nos idos da pandemia. A banda apresenta-se com formação renovada: a nova baixista Bia Diniz — que substitui Pedro Zina — juntou-se ao multi-instrumentista e vocalista Gonçalo Formiga, ao baterista Ricardo Mendes e às teclas e guitarras de José Sousa, aka Zé Maldito.

A banda assume que, muito por causa da pandemia e da impossibilidade de ensaiar em conjunto, Wide Wall, Tree Tall é um disco mais burilado, construído peça a peça e sujeito a maior atenção ao detalhe; é a diferença principal em relação ao anterior Punk Academics, assente na energia da banda ao vivo, e recheado de canções mais imediatas e intuitivas.

Carregue-se então no play e analisemos as onze faixas que compõem o novo disco:

1 – Sing Something for Us Now

Foi o primeiro single e tem, logo à entrada, uma surpresa: o protagonismo maior do sintetizador, cujo fraseado corre ao longo da música em animada dança com a melodia da guitarra. O registo lembra os Luna de Dean Wareham, sobretudo na voz e nas texturas sonoras. A canção assenta naquele fraseado das teclas — o resto é tecido pela vocalização e pelas duas guitarras em diálogo permanente. Há uma certa vibração americana: fechamos os olhos e depressa nos imaginamos numa serpenteante estrada nocturna dos Estados Unidos.

2 – Ice Sandwich

Tem o título de uma peça escultórica de David Hutchison, artista que trabalha com a ideia do acaso e da aleatoriedade. É um tema infeccioso, com uma linha de baixo inspirada e algumas interferências sonoras — palmas, percussão, sons de jogos de computador. Um motivo de guitarra repete-se, servindo de base para a canção. É visível a influência — no sentido lúdico e no imediatismo — de padrinhos assumidos como os Feelies, Jonathan Richman e os The Fall. Tal como acontece, aliás, no álbum mais recente de João Vieira, aka Wolf Manhattan.

3 – Dead and Fermenting

Mais um bom momento do disco: os Cave Story criam uma manta sonora invulgar, interrompida por um interlúdio de guitarra que poderia ter nascido na mente tortuosa de Black Francis e Kim Deal, dos Pixies — a escola do depressa-devagar-depressa ainda vive.

4 – Aching For a Rebel

Um certo aroma a velho oeste americano, numa melodia cativante; um galope curto, com uma linha de baixo bem vincada. É assim em todo o disco: os Cave Story não se alongam — as canções são curtas, concisas e carregadas de intenção.

5 – I Called You Already

A voz alonga-se placidamente sobre um trecho repetitivo de viola-de-arco, e assim se vai construindo o tema. Mais para o fim, surge uma curiosa percussão marcial. A voz de Gonçalo Formiga contém aquele timbre de desprendimento tipicamente indie, a meio-caminho entre Stephen Malkmus, dos Pavement, e David Berman, dos Silver Jews: sem dúvida, uma boa companhia.

6 – Unexpected Advantage

O baixo desenha o esqueleto da canção, como acontece amiúde ao longo do disco. É difícil não pensar no registo dos britânicos Dry Cleaning como influência maior. Pontos para a produção a cargo do vocalista — o som surge cristalino e afiado em todo o disco, devidamente abrasivo onde deve ser, e suave onde isso se adequa. Neste tema, o fabuloso diálogo entre as duas guitarras cozinha uma canção post-punk muito curiosa. A voz lembra, a espaços, a de James Murphy, dos LCD Soundsystem.

7 – Clean Summer Clothes

Impelida por uma frase melódica simples, a canção continua a beber da cartilha dos Dry Cleaning, tanto na prestação vocal próxima da de Florence Shaw, quanto na tensão e electricidade do ambiente sonoro. Porém, a identidade dos Cave Story já se afirmara bem antes do aparecimento dos britânicos. Um momento alto: quando, lá para o meio, um solo desabrido de guitarra rasga a música.

8 – Absolute Best

Começa com uma fantástica linha de baixo e uma guitarra melódica. É uma canção animada, positiva e contagiante, que nos prende de imediato.

9 – This is Academy

A fazer lembrar Lou Reed nos Velvet Underground, Gonçalo Formiga canta por cima de uma melodia enganadoramente simples, que fica pregada ao cerebelo com apenas algumas audições. Um dos temas mais pop do disco. Lá pelo meio, um adocicado motivo de sintetizador eleva ainda mais a canção. Cola-se aos ouvidos.

10 – Critical Mass

Com cinco minutos e vinte e dois segundos, é a música mais longa do álbum. Começa suavemente com o baixo distorcido e um riff encharcado em reverb. Música de combustão lenta, traz à memória os Sonic Youth — mais distendida, vai ganhando balanço, construindo-se por camadas. Uma clareira feita de noise rock, que providencia um espaço amplo para as guitarras brincarem.

11 – Waterproof

Os Cave Story fecham o disco com esta pequena balada de beleza estranha, plena de interferências e espectros sonoros a pairar. Mais uma prova da criatividade e abrangência destes académicos do punk que, por esta altura, já merecem o doutoramento Honoris Causa.

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Nuno Camões

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1 Commentário

  • Mafalda comentou: 12/05/2023 at 09:53

    É bom estarmos constantemente disponíveis a novos sons.
    Bom dia’

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