“Os cubos de gelo derreteram e vê-se uma pequena poça de condensação no guardanapo à volta do copo. Ainda está molhado e isso afigura-se impossível aos olhos de Lídia, que a sua vida pudesse ser completamente estilhaçada em menos tempo do que um anel de condensação demora a evaporar-se.“
Lydia é uma mulher cuja vida se está a evaporar, num ápice, diante dos seus olhos. O impossível desenrola-se, também, à frente do seu filho, Luca. Será através dele que Lydia terá de ser tudo o que ainda não precisou de ser, numa Acapulco a braços com um terror e uma violência sem limites que se estende até à fronteira. Percorrer o México, numa fuga desenfreada e acelerada por um medo incalculável, será o único objectivo destes dois sobreviventes que, ao longo de mais de quatrocentas páginas, denunciam o sofrimento e o desespero de milhares de emigrantes entre las americas.
“Lídia percebe agora que, se há uma coisa boa no terror é o facto de ser mais imediato do que o luto. Sabe que, em breve, terá de lidar com o que aconteceu, mas, para já, a possibilidade do que ainda poderá acontecer serve para a anestesiar em relação ao grosso da angústia.“
Só mesmo anestesiada poderá esta mulher seguir em frente, após a morte, à queima-roupa, de toda a sua família mais próxima. Quando o perigo espreitava a cada esquina, ela e Sebastian, o marido, iam contornando-a: “Quando essa fúria se inflamava e se intrometia entre eles, contornavam-na como um móvel demasiado grande para a sala que ocupava“.
O destino fatídico estava anunciado – e veio a cumprir-se. Agora, resta-lhe sobreviver e pedir ajuda, mas “pedir ajuda é o equivalente a entrar na cozinha de um amigo com um colete de explosivos”. Ainda assim, mesmo frágil e temente, essa ajuda será o que ela e Luca precisam para contrariar a “arte de olhar o vazio”. “Quando pensa nisso, sente-se esfarrapada como um pedaço de renda, definida não tanto pela matéria do que é feita, mas pelas formas que lhe faltam. Nem sequer consegue imaginar como é que esta perda moldará a pessoa em que Luca se vai tornar“.
“Terra Americana” (Asa, 2020), de Jeanine Cummins, é uma saga feita de “peças desparceiradas” que não querem unir-se, todas elas com contornos que oscilam entre o medo, o horror da violência e a fragilidade autêntica que molda o futuro. Um quebra-cabeças que também se estende às personagens e à sua caracterização (têm as cavilhas muito fixas e muito no devido lugar), bem como a certos momentos do enredo. Aspectos que não retiram qualidades a uma boa história, cheia de ritmo e tensão, que sensibiliza o leitor para um enorme flagelo que expõe o mundo em que vivemos.
Sem Comentários