Paulo José Miranda abraçou, há já muitos anos e por vontade própria, a vida de emigrante, primeiro na Turquia e, mais tarde, em Fazenda Rio Grande, no Brasil, onde actualmente reside. Venceu o Prémio Saramago em 1999 – com o romance Natureza Morta – mas, desde então, pouco se tem sabido sobre a produção literária, apesar de esta aparentemente ter mantido alguma regularidade, não acompanhada porém a nível editorial e noticioso no nosso país. Este ano, como que para recuperar o tempo perdido, a Abysmo editou de uma assentada três livros seus: “Todas as cartas de amor”, “Exercícios de Humano” e “A máquina do mundo” (Abysmo, 2014), livro a que serão dedicadas as próximas linhas.
O começo de “A máquina do mundo” tem um certo ar Cronenbreguiano, revelando um homem que apenas tem duas vidas e «toda uma missão por cumprir.» As vidas, essas, são oferecidas de acordo com a missão que for aceite, e cada erro implica perder uma delas. Há, porém, duas formas de recuperar corações: a personagem apaixonar-se com reciprocidade ou, ainda mais difícil, inventar algo que ainda não exista no jogo.
Camaleão – Turker no bilhete de identidade – é um mestre dos disfarces, um assassino profissional à moda de James Bond, ainda que lhe pareça faltar o charme e o sentido de humor deste. É especialista em explosivos e, como assinatura pessoal, gosta de terminar os serviços com um tiro no coração das vítimas. Afinal, falamos de um personagem que louva a violência e descobre, na tortura, um lado poético.
Porém, mesmo imerso na mais pura violência com uma boa dose desangue-frio, o Camaleão tem também um ponto fraco, aqui representado por uma irlandesa esbelta, sedutora e implacável; uma mulher que o traiu numa missão anterior e que, aparentemente, tem agora a missão de o matar.
O livro, que nos leva num inter rail com passagens pelo Chipre, Hong Kong, Turquia ou Tailândia, está carregado de mensagens políticas e económicas, seja fazendo-nos atravessar um campo de concentração que funciona como um bando de órgãos ou pondo em causa todo o equilíbrio geo-estratégico mundial.
O romance/thriller de Paulo José Miranda é uma radiografia crítica e detalhada dos mecanismos do poder, quase sempre sustentado por um esquema de violência que perpassa toda a pirâmide que criou e onde confortavelmente se senta. A máquina do mundo é representada pela empresa Existe, Lda., uma multinacional da qual 90 por cento dos habitantes são assalariados e só o resto participa dos lucros. Porém, conseguiu criar nos seus trabalhadores a ilusão de liberdade, deles retirando a vontade de rebelião ou o impulso à mudança. Um impulso que parece estar colado às palavras de Paulo Miranda: a necessidade de fazer parar a máquina.
No final fica a dúvida se estaremos a caminhar em terrenos reais ou virtuais, mas talvez tenha sido esse o objectivo de Paulo Miranda: fazer-nos olhar o mundo como uma empresa que nos têm a todos na mão, tornando-nos personagens virtuais de um jogo manipulado desde o início.
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