Por enquanto, ainda nascem algumas crianças. É preciso educá-las, daí a necessidade de bons docentes. Não precisamos das greves de professores para saber que a vida de educador não está fácil: é todo um ano a aturar gritaria, faltas de interesse e de respeito por parte dos pupilos; são horas a preencher relatórios, avaliações, folhas de ponto; e “sempre a começar do zero” a cada novo ano lectivo. A (outrora) nobre arte da pedagogia não será, certamente, a profissão ideal para todo o tipo de pessoas.
Não só na carreira docente mas também na natureza, já se sabe, impera a lei do mais forte e do mais capaz — “O Pescoço da Girafa” (Elsinore, 2022), de Judith Schalansky, assim o confirma, através da personagem central da obra: uma professora frustrada e profissionalmente inadaptada aos tempos que correm. Assumindo o tom de um Attenborough apático e desinteressado, a narradora apresenta a sua versão do BBC Vida Selvagem, edição liceu de uma província esquecida do nordeste alemão.
Neste livro, a escola é um zoo em que as espécies em cativeiro são os alunos: primatas balouçam-se nas cadeiras; selvagens lobos transformam-se em cachorrinhos arrependidos em dias de teste; lesmas pegajosas tentam passar despercebidas num ambiente hostil. Os infelizes cuidadores destes animais são, obviamente, os professores, que sujeitam os pobres bichinhos a um regime alimentar à base de factos e outras iguarias pedagógicas que estes naturalmente desprezam.
“O Pescoço da Girafa” engloba uma “surpreendente abundância de espécies”, algumas delas autóctones e outras exóticas, sejam elas parasitas ou oportunistas. Evidentemente fora do seu habitat natural, estudantes, corpo docente e funcionários da escola interagem, em imperfeita simbiose, no ecossistema artificial da sala de aula.
Schalansky debita matéria sobre ecologia, fauna e flora por intermédio da severa professora de Ciências da Natureza do Liceu Charles Darwin da Pomerânia Ocidental. O estilo de escrita enquadra-se bem na cultura germânica e no domínio escolar — as frases são breves, secas e assertivas. Parco em advérbios mas denso em factos científicos, o arranjo narrativo revela-se maioritariamente desinspirado, apesar das incisivas notas irónico-humorísticas e de inúmeras curiosidades (como a imortalidade genética das moscas da fruta e o papel dos cromossomas humanos na criação dos inúteis mamilos masculinos). Para quem as aulas de Biologia do secundário não deixaram saudades, o livro pode tornar-se ligeiramente enfadonho.
Esta edição da Elsinore, de capa dura, é aprimorada, criteriosamente organizada por tema científico e pautada por organogramas e ilustrações esquemáticas do reino animal, desde um ser unicelular até, claro está, à girafa — um dos mais espantosos exemplos da capacidade de adaptação de uma espécie.
Tanto na natureza como na docência verifica-se um processo evolutivo. Trocado por miúdos, só se safa quem melhor se ajusta aos obstáculos do quotidiano. Isto porque, também na carreira de professor, a adaptação é fruto da necessidade e, afinal de contas, já longe vai o tempo em os professores eram respeitáveis membros de uma sociedade evoluída. Judith Schalansky diagnostica assim “a doença pedagógica”. Mas há quem prefira chamar-lhe, simplesmente, ciclo da vida.
Sem Comentários