Não podia ser mais actual e pertinente a proposta do jornalista Pedro Caldeira Rodrigues, intitulada “O Sobressalto Grego” (Arranha-Céus, 2015). Testemunha privilegiada dos acontecimentos que marcaram a conturbada história contemporânea da Grécia, o autor pretende dar a conhecer com maior detalhe o país europeu que, para o bem e para o mal, tem ocupado papel de enorme destaque nos meios de comunicação social mundiais. Licenciado em História, Pedro Caldeira Rodrigues considera que para compreender a actual conjuntura grega é necessário conhecer o passado da Grécia, a sua especificidade enquanto país, condição que é tanto um resultado do seu turbulento passado como da sua localização geográfica.
Antes de mergulhar nos traumáticos episódios ocorridos nos últimos anos, o autor leva-nos numa breve viagem pela história grega dos séculos XIX e XX, um período agitado, marcado por vários conflitos e por grandes convulsões políticas. Desde a proclamação da independência em 1882 – que colocou um ponto final a quinhentos anos de domínio otomano – até a queda da ditadura militar em 1973, passando pela guerra civil que opôs as forças comunistas ao exército nacional grego entre 1946 e 1949 – e que terminou com a derrota dos comunistas -, são vários os episódios abordados por Pedro Caldeira Rodrigues. O objectivo é claro: fornecer ao leitor o máximo de peças possíveis para que este possa compreender melhor o complexo puzzle que é a Grécia actual.
Com o derrube da ditadura os gregos iniciam um período de transição para a democracia, um processo que ficou marcado pelo surgimento de duas dinastias políticas que viriam a dominar o governo grego nas décadas seguintes. Nas palavras do autor, este é “um dos períodos mais vibrantes da história contemporânea da Grécia e que continua a colocar importantes questões sobre a qualidade e as conquistas da democracia restaurada”. De um lado temos a Nova Democracia [ND], partido de direita fundado por Konstantinos Karamanlis, do outro o PASOK, partido de inspiração socialista fundado por Andreas Papandreou. Governando de forma alternada os destinos do país, esta espécie de sistema bipartidário apenas viria a ser posto em causa 40 anos depois, quando a eclosão de uma terrível crise económica abalou por completo o panorama político grego.
O ano de 2008, para além de marcar o início da crise que ainda hoje domina a agenda política europeia, fica igualmente marcado por um acontecimento que moldou de forma decisiva a situação actual na Grécia: o assassinato em Dezembro de um adolescente de 15 anos pela polícia. Este episódio, que originou uma onda de protestos em todas as principais cidades gregas, fez aumentar de tom a contestação ao governo e, aliado à austeridade económica que começava a asfixiar o país, serviu de rastilho a uma mudança radical na política grega.
É a ascensão meteórica do SYRIZA, bem como do seu carismático líder Alexis Tsipras, que ocupa o lugar de maior destaque neste livro. Pedro Caldeira Rodrigues narra de forma detalhada a forma como o SYRIZA vai subindo nas sondagens, passando de um partido minoritário, que obtém 4,6% dos votos em 2008, para o partido vencedor das eleições legislativas gregas em 2015, conquista alimentada pelas medidas de austeridade impostas à Grécia pelos seus “parceiros” europeus e pelos restantes credores internacionais.
Confrontados com um aumento brutal nos impostos e com cortes tanto nas pensões como nos salários, os gregos assistem desesperados ao ruir da sua economia. A ingerência europeia na vida política grega é cada vez maior, consequência natural dos dois memorandos de entendimento assinados em 2010 e 2012 com a famigerada troika, constituída pela União Europeia, pelo Banco Central Europeu [BCE] e pelo Fundo Monetário Internacional [FMI]. Os planos de austeridade sucedem-se e a economia grega entra em forte recessão. Ao mesmo tempo que os números do desemprego disparam para níveis alarmantes, aumenta a contestação social. Após as legislativas de Maio de 2012, que registam uma descida acentuada tanto da ND como do PASOK – e uma subida do SYRIZA e do partido neonazi Aurora Dourada, que consegue pela primeira vez eleger deputados -, o parlamento grego entra num período de convulsão.
Assustados com a perspectiva da chegada ao poder de um partido de “esquerda radical”, vários líderes europeus aumentam a chantagem política sobre os eleitores gregos, tentando criar uma atmosfera de medo que assegure que o país continue a ser governado pelas forças políticas habituais. A possibilidade da saída grega da Zona Euro, o Grexit, começa a ser avançada por diversos políticos europeus. Esta “campanha do medo” não evita a vitória histórica do SYRIZA nas eleições legislativas de Janeiro de 2015. O plano de governo de Tsipras não podia ser mais claro: terminar com a presença da troika na Grécia e acabar com a austeridade, propondo um aumento de investimento público para estimular a fragilizada economia grega, entre outras medidas de combate à exclusão social e à pobreza.
Encarando esta escolha do povo grego como uma espécie de afronta, a maioria dos governos dos países pertencentes à moeda única endurecem a sua posição, exigindo mais e mais austeridade para desbloquearem verbas adicionais para a Grécia. Apesar de ser mostrar disposto a negociar, o recém-empossado executivo avisa que não irá capitular às exigências dos credores, considerando-as uma humilhação intolerável. Ao fim de meses de duras negociações, os credores internacionais propõem à Grécia um pacote de ajuda de curto prazo, que permita aos gregos fazerem face às suas obrigações para com o FMI e o BCE. Tsipras, sentindo-se encurralado e forçado a aceitar um acordo que considera condenado ao fracasso, decide convocar um referendo, decisão apelidada de “muito lamentável” pelo presidente do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem. A pergunta colocada ao povo grego é aparentemente simples: sim ou não ao acordo oferecido à Grécia pelos seus credores.
Conforme salienta o autor, as instituições europeias recorrem à arma absoluta e o referendo é realizado com os bancos gregos fechados. Ao contrário do que tinha sucedido no Chipre, desta vez a estratégia não funciona e o não, oxi, acaba por ganhar folgadamente, com mais de 60% dos votos. Apesar do que tinha sido apregoado pelos arautos da desgraça, este resultado não ditou a saída automática da Grécia da Zona Euro, tendo sido aprovado no dia 17 de Julho um novo resgate financeiro, que teve como contrapartida a imposição de novas medidas de austeridade e um reforço da ingerência externa no governo do país. Se a assinatura deste acordo pode ser considerada uma pesada derrota para Tsipras e para o SYRIZA, a forma como todo o processo foi conduzido não permite a ninguém reclamar vitória, servindo antes para tornar ainda mais premente a necessidade de realizar um profundo debate sobre o estado actual das instituições europeias.
Pedro Caldeira Rodrigues consegue com este livro cativar a atenção do leitor, fazendo-o sentir como se estivesse a testemunhar in loco a caótica sequência de acontecimentos que abalaram a Grécia nos últimos sete anos. Livro de leitura obrigatória, possibilita um maior entendimento tanto da situação grega como do caso português. Afinal, somos todos países irmãos nesta família europeia que teima em não entender-se e onde continua a prevalecer um discurso assente em dicotomias, que divide os países membros em bons e maus alunos, em ricos e pobres, em países do norte e do sul. O futuro da proclamada União Europeia está em risco e com este livro Pedro Caldeira Rodrigues fornece uma ferramenta preciosa para a compreensão de tudo o que está em jogo.
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