Ficou gravado em papel por Douglas Coupland e, anos depois, continua a ser uma das grandes verdades relacionais: todas as famílias são psicóticas. Em “Como Antes” (Devir, 2022), essa certeza inabalável encontra-se de permeio entre Fábio e Giovanni, dois irmãos que viveram quase toda a sua vida num imaginário ringue de boxe.
Após a morte do pai, Geovanni vai em busca de Fábio, tentando convencê-lo a fazer com ele, ao volante de um Fiat 500, a viagem de regresso a Itália, morada final para as cinzas do pai, que transporta numa pequena urna. Ainda que por razões menos nobres, Fábio decide aceitar o repto: “A massa. O velho tinha alguma massa quando eu parti e o barco tinha valor, lembro-me muito bem. Tudo isso, é uma herança para receber. Não é verdade?”.
Ao longo de uma viagem atribulada, entre pouca conversa e ainda mais silêncio, mergulhamos nas recordações de infância de ambos, quase sempre evocadas através de ilustrações minimalistas, onde predomina um fundo amarelo, salpicado de preto e bordeaux, e a ausência de diálogos. E, nesse mergulho, recordam-se as escolhas que mudaram a vida de uma família para sempre, com muita política e luta sindical pelo meio. Uma muito bem desenhada – e escrita – viagem de reparação e reencontro.
Nascido em 1976, Alfred é ilustrador e argumentista de banda-desenhada. Em 2007, recebeu o prémio do público e o prémio Essentiel no Festival de Angoulême.
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