Os últimos tempos têm sido felizes para os fãs do universo aos quadradinhos de Spirou e companhia. Primeiro soltou-se “A Fera”, álbum da dupla Zidrou e Frank Pé, no qual Marsupilami surgia longe de ter aquele ar fofinho e travesso a que nos habituámos durante décadas. Um livro servido num álbum de grande formato, em papel grosso num embrulho de capa dura, que oferecia uma verdadeira experiência visual e uma festa sensorial de arromba, como um esmerado cartão-de-visita ao espanto que é a banda desenhada franco-belga – e que, celebremos, terá continuação.
A melhor das notícias chegou às livrarias nacionais este ano, com a publicação de “Spirou: Diário de um Ingénuo” (Asa, 2022). Mas, primeiro, um pouco de enquadramento. Em 2006, a editora Dupuis inaugurou uma série intitulada “Uma Aventura de Spirou e Fantásio por…”, a que outros decidiram chamar mais tarde de “O Spirou de…”. Nomes à parte, o objectivo era o de convidar alguns autores para criarem o seu Spirou, não seguindo necessariamente a cronologia oficial. “Os Gigantes Petrificados”, assinado por Yoann e Vehlmann, o primeiro álbum da série, foi publicado em Portugal em 2007 pela ASA, integrado numa colecção dedicada a Spirou lançada com o jornal Público. Desde então, nem mais um volume da série – que, por esta altura, conta já com 29 volumes e mais 4 livros paralelos publicados – tinha chegado às livrarias nacionais. Até agora.
Quinze anos depois, a Asa publica este “Diário de um Ingénuo”, que corresponde ao 4º volume da série. Após ter trabalhado neste álbum, Émile Bravo escreveu uma sub-série dividida em 4 partes (que correspondem aos volumes 13, 14, 18 e 19 da série belga, publicados entre 2018 e 2022), na qual a Asa tem também as mãos na massa. “A Esperança Nunca Morre…”, a primeira das quatro partes, está também disponível nas livrarias. Enquadramento feito, voltemos a este “Diário de um Ingénuo”.
A anteceder a história principal, Émile Bravo transporta-nos até ao ano de 1938 e ao Orfanato de São Pancrácio. Nesse lugar, um crucifixo caído, um stash de álcool e hóstias comidas como batatas fritas levam à expulsão de René. Antes de ser conduzido à prisão, o rapaz entrega o seu esquilo, de nome Spirou, a Jean-Baptiste, que tem um pouco mais de sorte e acaba por ir trabalhar como paquete no Moustic Hotel, onde irá envergar o seu clássico e imutável uniforme. Lugar onde, confrontado com um desagradável carregador e um nome duplicado, acabará por adoptar o nome de Spirou, decidindo rebaptizar o esquilo como Spip.
A história tem lugar na Bruxelas do ano de 1939. A guerra afecta a todos, até mesmo a pequenada, que não consegue jogar uma partida de futebol sem discutir sobre Estaline, comunas, fascismo ou outras coisas que ouvem em casa, isto antes de desatarem a atirar pedras de calçada uns aos outros. Caberá a Spirou o papel de apaziguador, mesmo correndo o risco de perder o emprego.
O hotel está cheio de celebridades, entre as quais uma diva da moda e um campeão de boxe, o que atrairá a atenção da imprensa, entre a qual se encontra Fantásio, um destrambelhado que mais parece um detective privado ou um mestre do disfarce. Fantásio que, para a concorrência, não passa de “um pseudojornalista especialista em bisbilhotices. O nosso palhaço de serviço”. Ainda assim, cabe a Fantásio a mais visionária das linhas deste primeiro volume: “Meu amigo, se nos tornarmos célebres, a tua farda fará de ti o mais ridículo dos heróis.”
Um livro com muito humor e um embalo histórico, que recua na linha temporal para nos contar – ou inventar – o passado de uma das grandes personagens da banda desenhada – e que, segundo a pequenada, tem grandes semelhanças com o Tintin.
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