Em 1612, o norte de Inglaterra foi abalado por uma série de processos contra supostas bruxas, a maioria dos quais terminou com a morte por enforcamento da acusada. Todavia, um caso teve um desenlace fora do habitual, precisamente aquele sobre o qual existem mais lacunas nos registos. Stacey Halls, que cresceu na região e nutre desde sempre um fascínio por estes julgamentos, explora o mistério em “As Bruxas de Pendle” (Saída de Emergência, 2022), utilizando figuras reais para ficcionar o que poderá ter sucedido.
A protagonista, cuja perspectiva acompanhamos, chama-se Fleetwood Shuttleworth, é esposa de um fidalgo rural e, como boa mulher do seu tempo, acredita que o propósito da sua vida é produzir herdeiros para o marido, a quem está grata por a ter levado de casa da mãe, onde não era feliz. O momento em que a conhecemos é de particular desespero: aos 17 anos de idade, já sofreu três abortos espontâneos e, encontrando-se novamente de esperanças, descobre que um médico escreveu uma carta ao marido, informando-o que a esposa não sobreviverá a outra gravidez.
Sem amigas, incapaz de revelar o conhecimento da carta ao marido, o isolamento leva-a a confiar numa aldeã poucos anos mais velha, Alice Gray, que aprendeu o ofício de parteira com a falecida mãe. Invulgarmente altiva para a sua classe social e dotada de uma inteligência que Fleetwood descreve como “masculina”, Alice não promete salvar-lhe a vida, mas os conhecimentos que demonstra possuir, aliados à sua atitude confiante, fazem a jovem fidalga sentir-se mais segura e acreditar numa hipótese de sobrevivência para si e para a criança. Infelizmente, adensa-se uma atmosfera persecutória, que equipara a bruxaria o saber ancestral das curandeiras e coloca as três vidas em risco com a prisão de Alice.
A autora faz uma excelente reconstituição do contexto político e social da época, utilizando o ponto de vista de Fleetwood para expor as consequências mortíferas da aliança entre o oportunismo e a superstição – não só do povo, mas do próprio Rei Jaime I, autor de um livro sobre demonologia. Ainda assim, a maior força da obra reside no desenvolvimento da amizade entre duas raparigas bastante diferentes – cujos passados difíceis vamos conhecendo gradualmente – e na evolução da personagem de Fleetwood. Embora sempre tenha sido capaz de detectar as contradições dos que a rodeiam, é a urgência de salvar Alice que a impele finalmente a agir, questionando os poderes instituídos, desafiando o marido, enfrentado traições e arriscando até uma acusação de bruxaria, numa luta desigual que nos mantém em suspenso até ao fim, tal é a mestria na construção dos diálogos e no encadeamento das situações.
Fleetwood descobre um novo propósito para a sua existência, e nós descobrimos uma história emocionante, pontuada por surpresas ardilosamente distribuídas, que nos cativa da primeira à última página.
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