Ser considerado um dos maiores nomes da Literatura sem nunca ter escrito um romance poderá parecer, para alguns, um caso estranho. Porém, para os que conhecem a escrita e a obra de Jorge Luis Borges, a tal distinção faltaria acrescentar, pelo menos, um Nobel. Aliás, se as coisas na academia sueca funcionassem à semelhança da FIFA, Borges arriscar-se-ia a receber, tal como Messi, o prémio durante quatro anos a fio. Pelo menos.
“O Aleph” (Quetzal, 2022 – reedição) é um caso de puro assombro. O autor mostra aqui a sua forma muito singular de baralhar a realidade com a ficção, criando um universo ilusório onde a vida se torna um lugar propício ao surgimento e à fruição do fantástico. Como se, a nossa curta aparição na terra, estivesse condenada – no melhor dos sentidos – à eternidade.
Em 17 pequenos-grandes contos, Borges discorre sobre alguns dos temas universais que estiveram, desde sempre, presentes na sua escrita: o tempo, o sonho, o infinito, a morte, a justiça, Deus, a ética. Sempre com o fantástico como papel de parede: em «O imortal» procura-se a secreta Cidade dos Imortais e a vida eterna; «História do guerreiro e da cativa» é um dos dois contos – a par de «Emma Zunz» – que parte de factos fidedignos, e que revela a escolha entre o lado racional ou animal da vida; «A casa da Astério» é uma fábula sobre um deus que aguarda o seu redentor; «Abenjacan, o Bokhari morto no seu labirinto» conta a história de um homem preso no seu próprio esconderijo, guardado por um escravo e perseguido por um morto sedento de vingança; «Os dois reis e os dois labirintos» mostra que a melhor prisão não precisa de ter escadarias, portas ou paredes; «O Aleph», que dá título ao livro, é o conto supremo, trespassado pela loucura, onde numa casa à beira da demolição se poderá ver, através de um único ponto, o Universo inteiro.
Com uma imaginação que é do melhor que aconteceu à Literatura em toda a sua história, Jorge Luís Borges oferece em “O Aleph” puzzles filosóficos e enigmas sobrenaturais, apresentando-nos a personagens que escondem, dentro de si, a realização plena enquanto seres humanos. Um triunfo absoluto da escrita, que regressa às livrarias numa nova edição da Quetzal, com direito a uma capa que parte de um detalhe de Tentações de Santo Antão, quadro de Hieronymus Bosch.
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