Joana Bértholo habitou-nos a livros provocadores, perguntadores, sedutores, sensíveis e extraordinariamente bem escritos. A sua escrita rompe com o cânone tradicional, misturando diferentes estilos narrativos, tempos e espaços, oferecendo ao leitor uma experiência ímpar de leitura.
“A História de Roma” (Caminho, 2022) é uma história com muitas histórias. Em poucas palavras, poderíamos dizer que é a narrativa de um encontro entre uma portuguesa e um estrangeiro, que se apaixonaram, deambularam juntos por Buenos Aires, Berlim, Beirute, Marselha e se reencontram em Lisboa, dez anos depois, para percorrerem locais emblemáticos da capital portuguesa e evocarem o momento que poderia ter mudado tudo. É uma história de amor, mas é também a história de encontros e desencontros, de um momento, de uma decisão que nunca foi tomada.
“A História de Roma” é, também, a história de uma mulher, mas também de muitas mulheres. Mulheres que se interrogam sobre o valor da maternidade. Mulheres livres que não se deixam aprisionar pelas convenções sociais, tradições ou preconceitos. Mulheres plenas que fazem a opção de não serem mães.
“Então e tu?
Está na altura.
Tens um bom corpo.
A tua irmã já vai no terceiro.
Com a tua idade já tinha dois.
Aproveita agora, que tens energia.
Nunca fui tão feliz quanto na gravidez.
Depois custa mais. É perigoso.
O parto é terrível. Mas esqueces.
A namorada de um amigo meu deixou para a última e teve prematuro.
O teu namorado tem ar de bom-pai.
Se não te despachas, ele vai à sua vida…
Os filhos solidificam a relação.“
“A História de Roma” é, também, a história de uma geração que estudou, fez Erasmus e ampliou a rede de amigos para além-fronteiras, cruzando diferentes geografias. Talvez a geração mais viajada. A este propósito, a autora escreve de forma elegante que esta é a “primeira [geração] que democratizou a viagem por lazer e não por exílio”.
Quem viaja por lazer permanece nos sítios, quer vivê-los intensamente, e não apenas conhecê-los. Quer estabelecer uma relação íntima com a comunidade, vaguear pela cidade, espreitando cada “ruela, praça ou jardim (…) e provando o aroma de cada bairro”. Cada cidade esconde os seus segredos. Serão as cidades importantes na forma como nos relacionamos? Esta leitura conduz-nos por uma viagem aos amores perdidos.
“A História de Roma” é a história onde as pessoas são lugares: “(…) ponho-me a pensar que em vez de Roma uma primeira filha deveria chamar-se Atenas”. E, nós leitores, que lugar seremos? Um livro belíssimo. Doce. Poético. Introspectivo. Viajante. E…. Perguntador.
Joana Bértholo é natural de Lisboa. É escritora e dramaturga. Estudou Design de Comunicação e é doutorada em Estudos Culturais. O seu primeiro romance, “Diálogos Para o Fim do Mundo”, ganhou o Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho 2009. Em 2018, “O Museu do Pensamento” foi considerado pela Sociedade Portuguesa de Autores o melhor livro Infanto-Juvenil. O romance “Ecologia” foi finalista do prémio APE, PEN, DST, Casino da Póvoa e semifinalista do Prémio Oceanos 2019. É recomendado pelo Plano Nacional de Leitura.
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